O desembargador Jones Gattass Dias, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, determinou a suspensão de uma ação que discute o fim do Parque Estadual Cristalino II, e proibiu que Antônio José Junqueira Vilela Filho, conhecido como o ‘maior desmatador da Amazônia’, e o real proprietário da Sociedade Comercial Triângulo Ltda., estabeleça qualquer acordo com a Justiça. Decisão proferida na última quinta-feira (4) impede ainda qualquer ato que implique avanço instrutório ou prática que possa prejudicar o interesse da União no caso.
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Gattass suspendeu tratativas que, segundo notícias anexadas aos autos, estavam próximas de resultar em um acordo para redefinir os limites do Parque Estadual Cristalino II — medida que beneficiaria propriedades atribuídas ao pecuarista Antônio José Junqueira Vilela Filho.
A medida foi concedida em mandado de segurança impetrado pela União contra o relator da ação na Segunda Câmara de Direito Público do TJMT. A União sustenta que seus Embargos de Declaração, apresentados em maio de 2024, não foram apreciados, apesar de manifestado expressamente seu interesse jurídico na causa. Desde então, o processo continuou tramitando na Justiça Estadual e Federal, com atos voltados à conciliação, incluindo inspeção judicial prevista para agosto de 2025, sem participação da União, e o possível acordo.
Na ordem, o desembargador destacou que cabe à Justiça Federal definir se há interesse jurídico da União em processos que possam atingir seu patrimônio ou encargos ambientais.
Segundo Gattass Dias, a documentação apresentada comprova a plausibilidade desse interesse: a União foi proprietária da Gleba Cristalino/Divisa; doou a área ao Estado com encargos ambientais específicos; mantém domínio residual sobre 7,6 mil hectares; e discute, na Justiça Federal, a validade dos títulos de propriedade apresentados pela empresa autora, a Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo Ltda.
Para o magistrado, o risco de dano é “evidente”. O processo originário segue com possibilidade de acordo e até de extinção com resolução de mérito sem a presença da União, o que poderia gerar fato consumado e comprometer a regularidade da decisão final, além de afetar diretamente o Parque Cristalino II — área integrada ao Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) e classificada como prioritária para conservação da biodiversidade.
Por isso, determinou a paralisação total do feito: nenhum ato instrutório, conciliatório ou que avance em direção à solução da ação poderá ocorrer até o julgamento definitivo do mandado de segurança.
“Ante o exposto, defiro a medida liminar requerida, determinando o imediato sobrestamento da Ação Declaratória de Nulidade, vedada a prática de qualquer ato que importe avanço instrutório, celebração de acordo ou qualquer outro ato que prejudique a possibilidade de apreciação posterior do interesse jurídico da União, até o julgamento de mérito do presente mandado de segurança”, decidiu Gattass.
A ação que deu origem ao mandado de segurança foi proposta pela empresa Triângulo, que busca anular o decreto estadual de 2001 que criou o Parque Estadual Cristalino II, com 118 mil hectares. Em abril de 2024, após entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre ausência de prescrição, o TJMT acolheu o pedido da empresa sob o fundamento de que não houve consulta pública prévia.
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso opôs embargos de declaração, rejeitados pelo relator. Em seguida, a União apresentou seu próprio recurso, apontando interesse jurídico. Contudo, segundo a petição, o relator manteve o trâmite do processo e conduziu atos voltados à possível conciliação entre Estado e empresa, sem ouvir a União.
Uma notícia juntada aos autos revelou que, em 2 de dezembro de 2025, um acordo estaria prestes a ser firmado, prevendo a redução do parque de 118 mil para 105 mil hectares e a reclassificação de parte da área como RPPN, com regras ambientais mais flexíveis.
A minuta do possível acordo traz o nome de Antônio José Junqueira Vilela, pai de Vilela Filho, como representante das empresas Triângulo e AJJ, proprietárias de fazendas na região. Vilela Filho já foi denunciado na Operação Rios Voadores, deflagrada em 2016, por desmatamento em larga escala no Pará, com uso de “laranjas” para ocultar a titularidade de terras. O Ministério Público estima que, entre 2003 e 2016, mais de 15 mil hectares tenham sido degradados no Parque Cristalino II por meio de suas empresas, gerando prejuízos calculados em R$ 844 milhões.
Em maio de 2024, o MPF informou que o atual administrador da Triângulo, Douglas Dalberto Naves, seria “laranja” de Vilela Filho. Na esfera federal, o pecuarista responde a pelo menos 15 ações e foi condenado no Pará a pagar R$ 1,5 milhão por desmatamento em 2023. A empresa Triângulo também é questionada em ação federal por supostamente ter registrado domínio sobre a área do parque com base em quatro certidões rurais materialmente falsas.
Com a liminar de Jones Gattass, a tramitação da ação no TJMT está suspensa. A autoridade judicial deverá apresentar informações em dez dias, e a União tem quinze dias. O Estado de Mato Grosso foi cientificado e o caso seguirá para análise colegiada após manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça. Até lá, nenhum acordo, inspeção ou medida que possa modificar a situação processual do Parque Cristalino II poderá ser realizado sem que o interesse jurídico da União seja avaliado pelo colegiado do TJMT.





