Início GERAL Relatório do TJ aponta tortura sistemática e poder paralelo na Penitenciária Ferrugem;...

Relatório do TJ aponta tortura sistemática e poder paralelo na Penitenciária Ferrugem; veja imagens das agressões



Inspeção realizada nos dias 29 e 30 de outubro de 2025 na Penitenciária Osvaldo Florentino Leite Ferreira, conhecida como “Ferrugem”, em Sinop, apontou a existência de uma prática sistemática e institucionalizada de tortura e de tratamento desumano contra pessoas privadas de liberdade.

Leia também 
Justiça Eleitoral mantém ação por corrupção contra filho de prefeita que teria oferecido dinheiro e reforma de imóvel
 
As constatações constam em relatório elaborado por uma equipe do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Prisional e Socioeducativo (GMF), do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).
 
O documento descreve um cenário de graves violações de direitos humanos, consolidação de um poder paralelo dentro da unidade prisional e até ameaças diretas à integridade física de autoridades judiciais responsáveis pela fiscalização.
 
Tortura institucionalizada
 
Entre os principais pontos destacados está a adoção rotineira do chamado “procedimento”, prática que consiste na submissão dos presos a medidas de controle físico e psicológico degradantes.

Segundo o relatório, os reeducandos eram forçados a permanecer por longos períodos em posições dolorosas, sentados, sem camisa ou nus, com as pernas dobradas e as mãos na nuca, sob xingamentos, humilhações e agressões físicas.

 
Uso desproporcional de munições e artefatos químicos

A equipe do GMF constatou o uso constante e indiscriminado de munições de elastômero (balas de borracha) e bombas de efeito moral contra os presos. Durante a inspeção, foram observadas inúmeras cicatrizes antigas e lesões recentes compatíveis com disparos de projéteis de borracha.

Segundo o relatório, policiais penais efetuavam disparos de forma indiscriminada para o interior de celas superlotadas por meio da “boqueta”, abertura destinada à alimentação. Cápsulas de munição de borracha e resíduos de bombas foram encontrados dentro das celas. Exames de corpo de delito realizados em 50 presos confirmaram lesões compatíveis com esse tipo de armamento.

O uso de spray de pimenta também foi descrito como recorrente e abusivo. O documento relata a aplicação do agente químico contra presos já rendidos, inclusive por meio de um método denominado “chantili”, em que o produto é espalhado nas mãos do agente e esfregado diretamente nos olhos dos detentos, provocando sofrimento intenso e deliberado. O spray também era lançado dentro das celas superlotadas.

Espancamentos, humilhações e discriminação

Os presos relataram de forma unânime espancamentos generalizados, com socos, chutes, pisoteamentos e uso de objetos para agressão. O relatório aponta ainda a prática de tortura psicológica, com ofensas constantes, inclusive atribuídas à direção da unidade, além de discriminação direcionada à população LGBTQIA+.

Uso indevido de cães e contaminação da água

A inspeção também identificou relatos e indícios de uso ostensivo e intimidatório de cães contra os presos, incluindo casos de mordidas, com lesões corporais compatíveis, como a registrada em um reeducando ferido na região glútea.

Além disso, imagens analisadas pela equipe confirmaram denúncias de que cães foram autorizados a entrar no reservatório de água de uso comum dos detentos, contaminando o abastecimento.

Tortura térmica com fechamento dos “latões”

Outro ponto crítico destacado é o fechamento prolongado dos chamados “latões” — chapas de aço que vedam as celas — geralmente das 17h às 8h do dia seguinte. A prática, segundo o relatório, interrompe quase totalmente a circulação de ar, transformando as celas superlotadas em verdadeiras “estufas” ou “saunas”, configurando tortura térmica deliberada.

Pedidos de providências feitos pelos presos diante da falta de ar, conforme relatado, eram respondidos com a manutenção do fechamento, uso de spray de pimenta e disparos de munições pela boqueta.

Descaso com atendimento médico

O relatório aponta omissão sistêmica no atendimento à saúde. A enfermaria era praticamente inacessível e, quando havia atendimento, limitava-se à distribuição de analgésicos simples.

A situação dos presos com transtornos psiquiátricos foi classificada como alarmante, com ausência de medicamentos controlados, episódios de surtos psicóticos e automutilação. Casos de feridas abertas sem tratamento adequado também foram documentados.

Indícios de poder paralelo

O GMF identificou fortes indícios da consolidação de um poder paralelo dentro da unidade. O diretor Adalberto Dias de Oliveira e o subdiretor Antônio Carlos Negreiros dos Santos foram citados em diversos depoimentos como participantes diretos das agressões.

Segundo o relatório, o diretor atuaria encapuzado em algumas ações, debochava de autoridades judiciais e teria afirmado que “manda na cadeia” e que “nenhum desembargadorzinho de merda” o retiraria do cargo, evidenciando afronta direta ao controle judicial.

Retaliações e falhas em registros de segurança

Há indícios consistentes de que o procedimento violento ocorrido em 26 de outubro de 2025 foi uma retaliação direta às inspeções do GMF — que contaram com a presença do desembargador Orlando Perri e do juiz Geraldo Fidelis — e às denúncias feitas pelos presos.

As imagens das câmeras de segurança analisadas corroboraram diversas situações de tortura, porém foi identificada uma possível interrupção ou corte de aproximadamente 40 minutos nas gravações durante o procedimento daquele dia, levantando suspeitas de desligamento deliberado dos equipamentos.

Ameaças a autoridades judiciais

O relatório também aponta graves ameaças à integridade da equipe de fiscalização. Um preso identificado como líder de facção relatou a existência de um suposto plano encomendado pelo diretor e pelo subdiretor para atentar contra a vida de um juiz e de um promotor de Justiça durante audiências, com o objetivo de deslegitimar os depoimentos sobre tortura.

Segundo o documento, Ismael foi apresentado em audiência sem algemas nos pés e com algemas das mãos colocadas de forma simulada, o que permitiria sua retirada com facilidade. Durante o depoimento, não havia policiais penais nas proximidades da sala, configurando quebra de protocolo de segurança.

Além disso, no trajeto de retorno da equipe a Cuiabá, o veículo oficial do Tribunal de Justiça teria sofrido uma tentativa de interceptação abrupta por uma caminhonete não identificada, gerando intimidação e temor entre os servidores.

Conclusão

Ao final, o relatório do GMF conclui que as práticas de tortura e maus-tratos persistem de forma sistemática e institucionalizada na Penitenciária Ferrugem, associadas à consolidação de um poder paralelo que opera em afronta direta ao Judiciário. As agressões, a negligência, as retaliações e as tentativas de intimidação às autoridades evidenciam, segundo o documento, um cenário de graves violações de direitos humanos dentro da unidade prisional.
 



FONTE

Google search engine