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Sérgio Ricardo, presidente do TCE, vem defendendo ainda a exclusão gradual de operadoras que não tenham sede ou representação em Mato Grosso
Um verdadeiro emaranhado de informações e contra informações, que a cada dia tornam as operação de empréstimos, cartões de crédito e cartões de benefícios realizados em modelo consignado – quando o servidor público do Poder Executivo cede parte do seu salário para honrar operações financeiras -, forma um verdadeiro quebra-cabeças que, a cada dia, tira o sono de muitos e os coloca na condição de superendividados.
Essa é a principal conclusão da terceira reunião da Mesa Técnica do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE/MT), realizado nesta quinta-feira (12) e que trouxe não apenas fatos novos, mas o endurecimento ainda maior do órgão, para que sejam suspensas as cobranças nas folhas de pagamento dos servidores público do Poder Executivo e o não repasse de valores descontados as empresas consignatárias.
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O Governo do Estado pode ficar proibido de realizar descontos na folha de pagamento dos servidores públicos que realizaram operações de empréstimos, de cartões de crédito e de benefícios consignados de 19 empresas que deixaram de responder a convocação do Tribunal de Contas, que tenta construir soluções para o impasse gerado por descontos e cobranças supostamente irregulares.
O alerta foi feito pelo conselheiro Sérgio Ricardo, presidente do TCE, que, na mesma proporção da recomendação de suspensão nos descontos e repasses feitas ao Governo Mauro Mendes, concedeu às empresas consignatárias que estiveram na reunião da Mesa Técnica, a ampliação do prazo de entrega dos contratos realizados com os servidores, que estava agendado para o próximo dia 18 e, agora, poderá ser feito até o dia 30 deste mês.
“Essas empresas que foram convidadas, notificadas e simplesmente não vieram, vão arcar com as responsabilidades por seus atos. Nós nem sabemos se elas existem de fato. Se não compareceram para prestar esclarecimentos, não devem continuar recebendo dinheiro de servidor público. Vamos encaminhar uma recomendação ao governador, para que elas sejam consideradas irregulares, se não entregarem os contratos assinados com os servidores públicos até o próximo dia 30”, disse Sérgio Ricardo, já se referindo ao novo prazo estabelecido a partir de pedido oficializado por aquelas que compareceram.
Na sessão ordinária do último dia 3, o conselheiro havia dado 15 dias corridos para a entrega dos documentos, sob pena de nulidade dos acordos.
Contudo, segundo representantes das empresas presentes – Capital Consig, Banco Daycoval S.A., Eagle Sociedade de Crédito Direto S.A., Cartus Sociedade de Crédito Direto S.A., Taormina Soluções Financeiras S.A. e Pix Card Serviços Tecnológicos e Financeiros Ltda. -, o período seria insuficiente para o levantamento necessário, em que pese nos bastidores ter ficado claro que essas mesmas empresas estão tentando colocar em papel, ou seja, entregar de forma física as negociações que foram feitas exclusivamente por meio eletrônico, ou seja, por computador ou celular.
A Terceira Mesa Técnica do Tribunal de Contas trouxe ainda mais novidades, como a manifestação dos representantes dos correspondentes bancários de Mato Grosso (Corbans), responsáveis pela intermediação de empréstimos que formalizaram pedido para participarem da Mesa Técnica, tendo direito a expor sua metodologia, já que, segundo eles, está parecendo para a população de Mato Grosso que o trabalho deles seria irregular, ilegal.
Vestido com camisetas brancas com os dizeres “Consignado não é crime, nem golpe”, Lucas Ribeiro, da Empreste Já, observou que mais de 100 servidores teriam agido de má-fé, provocando um prejuízo de R$ 1,1 milhão a empresa, que atua como correspondente bancário.
Ele garantiu que os acusados já foram acionados judicialmente e disse que atua na compra de dividas atreladas a cartões de crédito e de benefícios feitas pelos servidores junto a bancos, como o BMG e o Daycoval, quitando-as mesmas e liberando novas margens. Isso deixou no ar uma dúvida: se essa operação seria ou não legal ou uma operação para endividar ainda mais os servidores que, sem opção, aceitariam essa espécie de renegociação.
Ele explicou que a oferta de mais margem aos servidores leva a nova divida, mas sem que ele mantenha a divida anterior sendo paga.
Os correspondentes bancários reclamaram das dificuldades de obter informações junto ao Governo do Estado, principalmente na Secretaria de Planejamento e Gestão.
Na reunião desta quinta-feira, os deputados estaduais Janaina Riva (MDB) e Wilson Santos (PSD) se revelaram perplexos com relatos de que alguns profissionais vivem da compra e venda de créditos consignados. Ou seja, funcionavam como agenciadores para facilitar a contratação dos empréstimos e também ganharem “um extra”, forçando uma rolagem de divida e mais e mais juros.
“A Delegacia de Defesa do Consumidor está nesse caso, o Ministério Público está nesse caso, o Tribunal de Contas está nesse caso. Hoje, nós fomos surpreendidos com a visita de trabalhadores que vivem da venda do consignado, que são milhares. Isso reforça o que eu disse: nós não estamos nem na metade de saber o tamanho do problema, esse assunto é muito mais profundo e complexo”, afirmou Wilson Santos, que conseguiu aprovar projeto de lei que impede a cobrança, por parte do Governo do Estado ou de qualquer outro ente público, de juros em operações consignadas.
Antes do início das atuais apurações, não se tinha conhecimento de que o Governo do Estado ficava com 7,8% em juros de cada empréstimo concedido, sendo que 4,8% ficavam com a Desenvolve MT e 3% eram para o Fundo de Desenvolvimento do Sistema de Pessoal (Fundesp/MT).
Em rápidas somas, os presentes a reunião pegaram como informações os dados da própria Seplag que, entre maio de 2024 e abril de 2025, foram repassados as consignatárias R$ 1,7 bilhão a título de empréstimos realizados pelos servidores; Logo, se pode interpretar que esses valores representaram um aporte ao Estado da ordem de R$ 132,6 milhões a título de juros.
Como não poderia ficar de fora, ainda mais quando se tem 60% do total de servidores públicos do Poder Executivo – ou seja, mais de 62 mil pessoas com uma média de cinco operações financeiras, o que somam mais de 300 mil movimentações e valores que somam mais de R$ 1,7 bilhão entre maio de 2024 e abril de 2025 -, o assunto Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) veio à tona, apresentado por uma professora aposentada pelo Governo de Mato Grosso.
Adélia Campos de Almeida relatou práticas abusivas adotadas nos últimos anos. Aposentada, ela contou que recorreu ao crédito por necessidade, mas acabou presa em um ciclo de dívidas decorrente do uso indevido do cartão de crédito consignado. “Na mesma situação em que eu me encontro, milhares de servidores se encontram. A gente não pode falar que não foi feita uma farra. Foi feita, sim. E, se for necessário, faz-se uma CPI para verificar como houve a falha”, disse.
No atual momento, a CPI não deve se tornar uma realidade, pois já existem três frentes de apuração dos fatos: o inquérito Civil do Ministério Público; a Mesa Técnica do Tribunal de Contas e o Inquérito na Delegacia de Defesa do Consumidor (Decon).
Os representantes das cinco consignatárias que compareceram à reunião da Mesa Técnica do TCE/MT se colocaram a disposição para prestar informações, entregar documentos e comprovar a legalidade dos empréstimos, cartões de crédito e de benefícios, todos executados na modalidade consignadas e apontam que o possível superendividamento venha do descontrole e da falta de uma educação financeira e limites.
A Capital Consig, que atua em conjunto com outras cinco empresas, com empréstimos consignados detém atualmente, em número que necessitam ser confirmados, 48 mil contratos. Já o Banco Daycoval, que tem 13 mil contratos, recebeu mais de R$ 122 milhões.
Todos sinalizaram, inclusive, em apresentar sugestões para melhorar a relação entre todas as partes interessadas.
Para garantir a segurança e o controle do volume de documentos, o presidente também explicou que o TCE-MT está desenvolvendo uma plataforma digital exclusiva para o trabalho. “Vamos criar uma plataforma eletrônica para receber esses contratos de forma segura. São 62 mil contratos ativos e precisamos saber o valor, a taxa de juros e quantos anos da vida o servidor está comprometendo. Essa transparência é o primeiro passo para resolver o problema”, acrescentou.
O conselheiro Valter Albano, presidente da Comissão Permanente de Normas, Jurisprudência e Consensualismo (CPNJur), responsável pelas mesas técnicas, destacou que a responsabilidade sobre os contratos deve ser compartilhada entre os órgãos de controle e o Executivo. “Fiscalizar bem quais são os contratos, quais são as condições, se há abusividade ou não. Esse é o dever de todos. A mesa técnica pode apontar também a obrigação do Estado em instituir até uma coordenadoria”, afirmou.
Albano, que foi secretário de Fazenda no Governo Dante de Oliveira, lembrou que o Estado e o funcionalismo público já estiveram em situação de calamidade financeira, mas construíram soluções que resultaram no equilibrio, e que isto vai acontecer novamente, pois todos os atores envolvidos têm interesse em solucionar o impasse e definir qual a melhor maneira de atender a todos e preservar os salários dos servidores públicos. “A folha de pagamento aquece a economia de Mato Grosso e de suas 142 cidades, como um todo”, observou.
Para a presidente da Desenvolve MT, Mayran Benício, é possível se construir soluções que contemplem todas as partes e envolvidos, pois o interesse do Governo do Estado e da entidade que preside é “de transparência total, legalidade e comprometimento com o servidor”.
“A força-tarefa do Estado já tem atuado de forma técnica, ouvindo, compreendendo e aprofundando a análise dos documentos. É um assunto complexo que envolve uma série de fatores e ouvir a todos para construir um resultado é essencial”, afirmou Mayran Benicio.
O presidente do Banco Daycoval, Sasson Dayan, reforçou que a mesa técnica ajudará a esclarecer quem são as consignatárias que têm o direito e podem operar no Estado.
“É a oportunidade de mostrar que o trabalho do banco é sério, justo e importante para a sociedade. Essa extensão do prazo foi fundamental diante da quantidade de documentos que precisamos apresentar, até porque estamos há cerca de 20 anos atuando com o governo de Mato Grosso. Então, acredito que estamos indo na direção correta”, afirmou.
Na opinião da presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos de Mato Grosso (FESS-MT), Carmen Machado, a reunião pode abrir caminhos para a efetiva resolução do problema. “A participação das empresas, se disponibilizando não só a ouvir as nossas reclamações e possíveis apontamentos de irregularidades, mas também a oferecer propostas para que o servidor público seja atendido de forma efetiva nas suas necessidades financeiras, é um passo fundamental”, disse.
MESA TÉCNICA – Em 26 de maio, o Tribunal de Contas instalou uma mesa técnica para discutir soluções conjuntas com Executivo, Legislativo, Ministério Público, Defensoria Pública e entidades sindicais para a crise dos empréstimos consignados do estado. A iniciativa foi proposta pelo conselheiro Guilherme Antonio Maluf e está sob relatoria do conselheiro Campos Neto.
Segundo levantamento da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag), quase 60% dos servidores estaduais têm contratos de empréstimos ativos, com média de cinco contratos por pessoa. Destes, mais de 20 mil comprometem acima de 35% da renda, e 7,8 mil ultrapassam o limite de 70%.
Entre os encaminhamentos definidos até agora, está a proposta de suspender, por 90 dias, todos os descontos em folha que ultrapassem o limite legal de 35% do salário, com exceção de decisões judiciais relacionadas.
Sérgio Ricardo vem defendendo ainda a exclusão gradual de operadoras que não tenham sede ou representação em Mato Grosso, bem como a criação de um teto legal para o comprometimento da renda dos servidores, como forma de evitar novos abusos.