Reprodução/TJMT e CNJ
Corregedor nacional de Justiça, o ministro Mauro Campbell (detalhe), vai comandar ação no TJMT, que tem desembargadores afastados
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso vive um pesado clima de desconfiança, já que passa pela primeira inspeção do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), após os últimos fatos que levaram ao afastamento dos desembargadores Sebastião de Moraes e João Ferreira Filho, do juiz Ivan Lúcio do Amarante, da 2ª Vara de Vila Rica (1.259 km a Nordeste de Cuiabá), e servidores do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que atuavam nos gabinetes dos ministros Maria Isabel Gallotti, Fátima Nancy Andrighi e Og Fernandes.
Os servidores do STJ são suspeitos de facilitar decisões favoráveis que eram negociadas pelo lobista mato-grossense Andreson Oliveira Gonçalves, preso em Brasília por ordem do STF, e pelo advogado Roberto Zampieri, assassinado no final de 2023, na porta do seu escritório, em Cuiabá.
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Roberto Zampieri era conhecido por suas relações em todas as esferas de Poder Público em Mato Grosso e por sua atuação em direito agrário e soluções para os difíceis impasses em disputas pela propriedade de terras e e, segundo investigações, se tornou conhecido como facilitador de decisões judiciais e com ramificações em diversos tribunais de Justiça do Brasil.
O assassinato do advogado levou à deflagração, pela Polícia Federal, da Operação Sisamnes (nome de um juiz corrupto que deu uma sentença favorável a um réu em troca de propina e que, segundo a mitologia, o levou a ser esfolado vivo por ordem de um rei persa).
A Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça de Mato Grosso informou que o presidente, desembargador José Zuquim, bem como os demais desembargadores da Mesa Diretora – Nilza Possas de Carvalho (vice-presidente) e José Leite Lindote (Corregedor-Geral) – e demais membros da insituição aguardam a inspeção “com serenidade” e com a a certeza de que o trabalho vai demonstrar que os fatos, ainda sob investigação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), são uma exceção e que deve ser garantido, assim como o é para toda e qualquer pessoa, o direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa.
A Operação Sisamnes, que está sob a tutela do ministro Cristiano Zanin, por causa de suposto envolvimento de ministros do STJ, que têm foro privilegiado, até o momento, não constatou vinculações diretas doss ministros com um suposto esquema de venda de sentebças. Na semana passada, Zanin prorrogou, por mais 60 dias, as investigações, com o rgumento de fatos novos levados ao seu conhecimento pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, o que torna a inspeção no Tribunal de Justiça ainda mais tensa, principalmente, porque o trabalho vai passar no gabinete dos os dois desembargadores afastados (Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho).
A Operação Sisamnes já conta com oito edições e, conforme a apuração vai ocorrendo, ela se ramifica para outrose Estados, como os vizinhos, Mato Grosso do Sul e Tocantins. Há ainda suspeita de que pode chegar a pelo menos mais quatro tribunais. Uma outra investigação paralela, a Operação Faroeste, no Tribunal de Justiça da Bahia, levou ao afastamento da desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo.
Conforme matéria de José Marques, da Folha de S. Paulo, “quatro anos separam a primeira fase da maior operação policial sobre venda de decisões judiciais do Brasil, a Faroeste, na Bahia, do assassinato do advogado Roberto Zampieri em Cuiabá, pivô de um escândalo similar que chegou até o STJ”.
Apesar do intervalo temporal, ambos os casos se conectam por elos com um mesmo advogado, que fez delação premiada, e por estarem ligados a disputas de terra em polos agropecuários.
Vanderlei Chilante, delator na Operação Faroeste, era o representante da família de Aníbal Manoel Laurindo em uma disputa de terras desde, pelo menos, 2003.
Aníbal é suspeito de ser o mandante do assassinato de Zampieri, morto dentro do carro, com dez tiros, em frente ao seu escritório, na capital mato-grossense.
No celular da vítima, a Polícia encontrou mensagens que apontaram suspeitas de pagamentos de propina a desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso e de relações com o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, que negociava decisões com gabinetes do STJ. Esse mesmo lobista é alvo de outro inquérito que levou ao afastamento de magistrados de Mato Grosso do Sul.
A polícia indiciou Aníbal com base em telefonemas e em um depósito feito a um dos executores do crime, que ele justifica ter sido para participação em uma reunião com parlamentares bolsonaristas, em Brasília.
Mas, além disso, ele disputava terras na região de Paranatinga (373 km ao Norte de Cuiabá) com um cliente de Zampieri e vinha lançando suspeitas sobre a relação do advogado com o desembargador Sebastião de Moraes Filho, relator dos processos no TJMT.
Segundo a Polícia Civil, uma decisão de Sebastião contrária aos interesses do produtor rural “foi o ‘estopim’ para a concretização dos planos que já vinham sendo montados pelos suspeitos Aníbal e sua esposa, que decidiram matar a vítima Roberto Zampieri”.
Vanderlei Chilante, o advogado que liga os casos da Bahia e de Mato Grosso, fez um pedido de liminar em favor de Aníbal, na disputa de terras em que dava o valor da causa de R$ 5,9 milhões. Ele continuou advogando para o produtor rural nessas disputas depois da morte de Zampieri.
O defensor tinha como cliente outro produtor rural de Mato Grosso, Nelson Vígolo (outra figura carimbada do mundo político e com polpudas doações para campanhas eleitorais de Mato Grosso), da empresa Bom Jesus Agropecuária, em Rondonópolis (212 km ao Sul de Cuiabá) e ambos firmaram delação premiada no âmbito da Operação Faroeste, que mirou a venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça da Bahia.
Só nos últimos meses, duas desembargadores baianas se tornaram rés (uma delas, pela segunda vez) em razão das investigações. Juízes do Sul do Estado foram afastados sob suspeita de irregularidades em questão fundiária e um magistrado da região Oeste disse sofrer ameaças por julgar casos relacionados a grilagem.
Em 2021, Chilante, que não é suspeito nos casos de Mato Grosso, foi denunciado pelo Ministério Público da Bahia sob acusação dos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção.
Segundo essa denúncia, teriam sido negociados pagamentos de R$ 1 milhão a um juiz baiano, para que ele se declarasse suspeito e não decidisse de forma desfavorável em processos de interesse da Bom Jesus Agropecuária.
À época, a empresa estava em disputas contra o grupo de Adailton Maturino, que ficou conhecido como “falso cônsul”, e também é acusado de comprar decisões judiciais de magistrados da Bahia. A região em que foi concentrada a briga é a divisa baiana com o Piauí e Tocantins.
Sempre é bom lembrar que muitos detentores de mandatos eletivos em Mato Grosso são ligados ao agronegócio e têm propriedades e sociedades na Bahia, Tocantins, Piauí, entre outros. Seria um mero detalhe, mas que desperta interesse das autoridades policiais que investigam as vendas de sentenças tanto na Bahia como em Mato Grosso.
A Bom Jesus entrou em recuperação judicial, na qual atuou a empresa de gestão patrimonial Fource. Segundo a empresa, havia R$ 2,6 bilhões em dívidas.
Os sócios da Fource, Valdoir Slapak e Haroldo Augusto Filho, aparecem nas conversas com Zampieri. O CNJ aponta suspeitas de que houve vantagens indevidas concedidas ao filho do desembargador Sebastião Moraes, que teria atendido o advogado em um recurso.
No dia 7 de novembro, aponta o documento, Valdoir procurou Zampieri para acertar valores, e o advogado disse que teve que pagar R$ 200 mil “ao filho do velho”.
Em nota divulgada quando as mensagens foram reveladas, os sócios da Fource disseram que “repudiam avaliações precipitadas com base em mensagens descontextualizadas”.
Eles afirmam que “nunca foram parte nos processos discutidos na ocasião e mantinham acompanhamento deles tão somente para avaliação como meio de investimento em aquisição de ativos estressados”.
“[Os sócios] não contrataram o advogado Roberto Zampieri para atuar nas causas em questão e nunca tiveram qualquer contato com o filho do desembargador envolvido ou mesmo com o próprio magistrado”, completaram.
Em Mato Grosso, a presença do corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, que também é ministro do STJ, na inspeção de 46 magistrados e servidores de outros tribunais de Justiça, demonstra a importância do trabalho, em que pese ela acontecer de forma rotineira.
Apenas eme 2025, já foram visitados os tribunais de Justiça do Maranhão (TJMA); do Amapá (TJAP); do Pará (TJPA); do Rio Grande do Norte (TJRN); de Pernambuco (TJPE); a de Sergipe (TJSE); do Rio de Janeiro (TJRJ) e de Alagoas (TJAL). Agora, é a vez de Mato Grosso, que foi notificado em 16 de maio passado da inspeção, por meio de portaria..
A Inspeção agendada determina a verificação do funcionamento de setores administrativos e judiciais do TJMT, bem como de serventia extrajudiciais, Mas, o que mais chama a atenção, nos corredores do Palácio da Justiça, é que, apesar de ter uma listagem de visitas em gabinetes de desembargadores de Mato Grosso, não estaria descartado que todos os 39 gabinetes podem ser visitados.
A agenda oficial da inspeção do corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell e seu exército de auxiliares segue o seguinte cronograma:
Equipe 1) Unidade – 2º Grau de Jurisdição
24/06 Vice-Presidência – Desa. Nilza Maria Pôssas de Carvalho;
25/06 Corregedoria-Geral de Justiça – Des. José Luiz Leite Lindote
26/06 Presidência – Des. José Zuquim Nogueira
27/06 Desa. Serly Marcondes Alves (atual presidente do TRE/MT)
Equipe 2) Unidade – 2º Grau de Jurisdição
24/06 Des. Carlos Alberto Alves da Rocha
24/06 Des. Sebastião de Moraes Filho (Juíza convocada Tatiane Colombo)
25/06 Des. João Ferreira Filho (Juiz convocado Márcio Aparecido Guedes)
25/06 Desa. Marilsen Andrade Addario
26/06 Desa. Maria Helena Gargaglione Póvoas
26/06 Des. Sebastião Barbosa Farias
27/06 Des. Dirceu dos Santos
27/06 Des. Rui Ramos Ribeiro
Equipe 3) 2º Grau de Jurisdição
24/06 Desa. Anglizey Solivan de Oliveira
24/06 Desa. Clarice Claudino da Silva
25/06 Des. Juvenal Pereira da Silva
25/06 Des. Jones Gattass Dias
26/06 Des. Márcio Vidal
26/06 Des. Orlando de Almeida Perri
27/06 Des. Jorge Luis Tadeu Rodrigues
27/06 Desa. Vandymara Galvão Ramos Paiva Zanolo
Equipe 4) Unidades de 1º Grau de Jurisdição – Criminal
24/06 14ª Vara Criminal de Cuiabá (crimes contra vulneráveis)
24/06 10ª Vara Criminal de Cuiabá (crimes apenados com detenção e delitos de trânsito)
25/06 2ª Vara Criminal de Cuiabá (Execução penal)
25/06 7ª Criminal de Cuiabá (Organizações Criminosas)
26/06 9ª Vara Criminal de Cuiabá (Tóxicos)
26/06 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica
27/06 6ª Vara Criminal de Cuiabá
27/06 Núcleo de Inquéritos Policiais
Na semana passada, o ministro Cristiano Zanin, do STF, prorrogou a validade da Operação Sisamnes, após ser informado pelas autoridades da Polícia Federal e do Ministério Público Federal de relatos de mensagens que envolvem o lobista Andreson Gonçalves, preso no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília.
O lobista protagoniza um jogo de intenções duvidosas, pois, volta e meia, deixa vazar a possibilidade de uma delação premiada, como forma de pressão. Mas, logo, também indiretamente ou através da esposa, também advogada Mirian Ribeiro Rodrigues de Mello Gonçalves e que foi alvo de busca e apreensões, volta atrás, alegando que está “debilitado emocionalmente e instável”.
Sob alegação de vários quadros de enfermidades, a defesa de Andreson de Oliveira Gonçalves tentou, sem sucesso, conseguir prisão domiciliar. Tão logo foi negada, começaram as insinuações de uma possível delação, mais tarde negada pela esposa, em entrevista.
Uma fala de Andreson, segundo alguns amigos próximos que evitam exposição pública, teria o condão de colocar muitas pessoas do Poder Judiciário, advogados e detentores de mandato eletivo de outros poderes em situação complicada, tendo que dar muitas explicações.
As extensões e a magnitude da Operação Sisamens, que já chegou aos Tribunais de Justiça de outros estados, podem ampliar ainda mais a participação de outros magistrados e tribunais. Por isso, a importância das inspeções que averiguam a existência ou não de inconsistências e decisões estranhas aos processos judiciais.
ENTENDA O CASO – Toda essa celeuma começou no final de 2023, com o assassinato do advogado Roberto Zampieri, tido e reconhecido como de ampla relação política tanto no Governo do Estado e no Parlamento Estadual, bem como Judiciário.
No mesmo dia em que ele foi assassinado, a Polícia Militar, na apuração inicial ainda na cena do crime, detectou, no celular do advogado, uma mensagemr que tinha como origem o WhatsApp “Des. Sebastiao”.
Sem ter como acessar os dados do celular, que acabou apreendido como prova do crime, e diante da insistência da família de Zampieri para ter o aparelho devolvido, é que começaram as apurações mais aprofundadas, que chegaram às mensagens do advogadoo, reconhecidamente um expert em Direito Agrário.
De Zampieri até chegar a Andreson de Oliveira Gonçalves, foi um pulo e aí centenas de mensagens e conversas foram obtidas.
Se por um lado as mensagens não conseguiram vincular os nomes dos ministros do STJ, Maria Isabel Gallotti e Fátima Nancy Andrighi e Og Fernandes, mas apenas funcionários de seus gabinetes, também afastados por decisão judicial, por outro lado, elas acabaram se vinculando a outras operações deflagradas pela Polícia Federal em outros estados, como a Faroeste, que envolve o afastamento da desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia, Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo.
Certo mesmo é que a Operação Sisamnes vai continuar a ter desdobramentos e pode chegar chegando a outros envolvidos. As ramificações já teriam sido detectadas pela Polícia Federal que, agora, procura vinculá-las aos responsáveis, sem com isto acabar generalizando e afetando pessoas que não estão envolvidas.
A difícil missão de apurar fatos de natureza grave tem que ser cuidadosamente adotada, para não generalizar e não impingir aos demais magistrados o receio na tomada de medidas judiciais, sob pena de alguns verem o caso generalizado, o que é comum no meio político e jurídico.
CONSELHO – Criado pela Emenda Constitucional nº 45, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é um órgão do Poder Judiciário de atuação e fiscalização nacional, tendo entre suas principais missões a transparência, controle, zelar pela autonomia do Judiciário como um todo, mas, principalmente, fiscalizar e investigar eventuais denuncias contra atos de magistrados em qualquer esfera.
A composição do CNJ levou em consideração não apenas questões judiciais ou jurídicas, mas também representantes de outros poderes e setores da sociedade organizada para que houvesse equilibro na sua atuação, principalmente no tocante a apuração de denúncias que devem ser rigorosas para que não se utilize de artifícios para criar embaraços e impedir a verdade real dos fatos.
Conforme o art. 103-B da Constituição Federal de 1988, o Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:
* Presidente do Supremo Tribunal Federal;
* Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal;
* Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal;
* Desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
* Juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
* Juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;