Setor destaca entraves econômicos e regulatórios; demanda cresceu 8,2% em 2025 na comparação anual, mas segue abaixo do potencial histórico
O número de passageiros transportados com bilhete pago em voos domésticos no Brasil em 2024 foi inferior ao registrado em 2015. De acordo com dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), o número do último ano foi de 93,4 milhões, 2,8% menor do que o pico anual de 96,1 milhões de uma década atrás.
“Ou seja: em 10 anos, o mercado doméstico brasileiro não cresceu. 10 anos atrás eu nunca ia imaginar que isso seria verdade”, afirmou Rafael Araújo, diretor executivo de planejamento de malha aérea da Gol Linhas Aéreas.
O setor aéreo brasileiro teve períodos de crescimento expressivo no passado, especialmente entre 2009 e 2015. Nos anos seguintes, porém, enfrentou retrações sucessivas, impactado pela recessão e volatilidade política.
A retomada começou a ganhar fôlego a partir de 2017. Contudo, a pandemia global de covid-19 frustrou as expectativas das companhias aéreas brasileiras. O ponto mais baixo foi em abril de 2020, quando houve queda de 95%, com 399.812 passageiros transportados, ante os 7,9 milhões em abril de 2015, melhor desempenho do mês na série histórica.
De janeiro a maio de 2025 houve crescimento de 8,2% na demanda em relação ao mesmo período de 2024. Apesar da recuperação, Araújo alertou que o setor ainda opera aquém do potencial histórico.
ENTRAVES
Apesar da recuperação recente, o setor aéreo brasileiro ainda enfrenta obstáculos estruturais que limitam o crescimento. Araújo citou fatores regulatórios, econômicos e operacionais como entraves à expansão do mercado.
O Brasil tem um dos maiores mercados domésticos do mundo, mas conta com apenas 3 grandes companhias aéreas atuando no segmento. Isso ocorre mesmo após a abertura à entrada de capital estrangeiro, que permite que empresas de fora operem com 100% de controle no país. Ainda assim, não houve entrada de novos players internacionais.
“Quantas empresas aéreas estrangeiras vieram para o Brasil? Zero”, disse. “A Ryanair, muito famosa por promover uma grande democratização do transporte aéreo pelo mundo, investiu em empresas aéreas na Colômbia e no México […] Por que eles nunca investiram no Brasil?”, declarou.
Entre os principais problemas apontados por Araújo estão a regulamentação e o ambiente jurídico complexo.
De acordo com a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), 98,5% de todas as ações judiciais contra companhias aéreas no mundo estão concentradas no Brasil. Leia a íntegra do estudo publicado em setembro de 2024 (PDF – 1 MB).
O estudo comparou a judicialização no Brasil ao mercado dos EUA. Segundo a Abear, o setor brasileiro registra 1 processo a cada 0,52 voos (ou seja, comparativamente, 1 voo no Brasil já carrega em si duas ações judiciais), enquanto nos EUA o patamar é de uma ação na Justiça a cada 2.585 viagens.
A Abear diz que esse número não compreende a realidade do setor aéreo brasileiro, pois 85% dos voos operados por empresas do país pousam pontualmente, enquanto 3% das viagens acabam sendo canceladas. Cerca de 90% das ações judiciais brasileiras são referentes a pedidos de danos morais.
“O que a gente tem problema é com o excesso, ou com uma simetria entre o que acontece no resto do mundo e o que acontece no Brasil”, afirmou Araújo.
Segundo ele, um “negócio paralelo” tem crescido no setor: empresas especializadas compram processos judiciais de passageiros contra as aéreas. Essas companhias, muitas vezes plataformas digitais, buscam passageiros que tiveram problemas em voos e adquirem seus direitos de ação. Caso o processo seja favorável, ficam com a indenização.
Embora legal, a prática é alvo de críticas por incentivar a judicialização excessiva e pressionar os custos das aéreas, o que pode acabar elevando o preço das passagens.
Araújo também destaca a volatilidade econômica que afeta diretamente os custos altamente dolarizados do setor. Os preços de itens como o QAV (querosene de aviação), leasing de aeronaves e manutenção estão atrelados à moeda norte-americana. Isso expõe as empresas brasileiras a oscilações cambiais e dificulta o planejamento de longo prazo.
“Volatilidade econômica é uma coisa que tem muito aqui na América Latina em geral. E que a gente tem que aprender formas de lidar”, declarou.
Também citou:
- Concentração populacional e econômica, que afetam a distribuição da malha aérea;
- Forte alternativa do modal rodoviário;
- Carga tributária elevada.
De acordo com a Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo), a implementação da reforma tributária no Brasil pode provocar uma queda de até 30% na demanda por passagens aéreas.
A entidade afirma que a proposta de criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), com alíquota projetada em 26,5% para o setor, deve encarecer significativamente o custo das passagens e comprometer a conectividade aérea no país.
A entidade calcula que o preço médio de uma passagem doméstica, hoje em torno de US$ 130 (R$ 743), suba para US$ 160 (R$ 914). Para bilhetes internacionais, o valor médio deve passar de US$ 740 (R$ 4.230) para US$ 935 (R$ 5.345).
O redator Caio Barcellos viajou a convite da Gol Linhas Aéreas