A secretária-executiva do Ministério da Gestão e Inovação (MGI), Cristina Kiomi, afirmou que a política afirmativa implementada na segunda edição do Concurso Público Nacional Unificado (CNU) de garantir, no mínimo, 50% das vagas no segundo turno do certame para mulheres tem o objetivo de fornecer condições para que mais mulheres acessem o serviço público através de politicas de equidade.
De acordo com ela, a ideia é ter o mesmo percentual de homens e mulheres realizando a fase discursiva do concurso. “Todo mundo vai fazer a prova objetiva, ter as notas. Nos casos em que passariam para fase discursiva um percentual maior de homens do que mulheres, a gente vai trazer mais mulheres para fazer essa discursiva também”, explicou ela ao Metrópoles.
A medida causou estranhamento entre os inscritos, que entenderam haver uma cota exclusiva para mulheres, como já acontece com negros, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência. A secretária, no entanto, explica que a reserva é apenas uma medida para equiparar as chances de homens e mulheres, diferente do que acontece com as cotas reservadas por lei, o que acontecerá no CNPU é apenas uma reserva para a fase intermediária da prova.
A lei de cotas prevê vagas reservadas para:
- Negros – 25%
- Pessoas com deficiência – 5%
- Indígenas – 3%
- Quilombolas – 2 %
Cristina explicou que o MGI fez um levantamento com dados da 1ª edição do CNU e percebeu que as mulheres são maioria no momento da inscrição, mas o percentual diminui com relação aos que compareceram para fazer a prova e cai ainda mais entre a prova objetiva e a discursiva. De acordo com ela, o MGI entende que mulheres estão saindo de um patamar inferior em relação à disponibilidade de tempo para estudar.
“As mulheres normalmente tem dupla jornada, tripla jornada, tem mais dificuldade e se desvencilhar das tarefas que são de cuidados de outras pessoas da família, sobretudo das crianças. E para estudar para para concurso, a gente sabe que em geral, a gente precisa dedicar tempo de estudo”, disse.
Segundo a secretária, a ideia da reserva de vagas surgiu de um modelo já realizado pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), também conhecido como Itamaraty. Cristina conta que a pasta percebeu que historicamente entram mais homens que mulheres na pasta para exercer o cargos da diplomacia brasileira e, por isso, decidiu fornecer a paridade na prova discursiva.
“Eles [o MRE] aprovavam historicamente um percentual menor de mulheres, eles conseguiram que esse percentual crescesse. Ainda continua sendo aprovados mais homens, mas já conseguiu crescer o percentual de mulheres, inclusive, em boas colocações”, destacou.
Acesso de homens e mulheres no serviço públicos
Cristina explica que esse tipo de ação afirmativa são importantes como experimentos que podem ajudar a ampliar o acesso para mais pessoas. Ela destaca que o percentual de homens no serviço público é maior do que o de mulheres, inclusive em carreiras com salários maiores.
“As mulheres acabam sendo maioria nos estados e municípios, onde tem muitos servidores e servidoras da área da saúde e da educação. Que são, inclusive, pior remunerados”, disse.
Para ela, as mulheres estão em carreiras pior remuneradas que muitas vezes não tem atratividade para homens ou que são ligadas a área do cuidado, como saúde e educação, lugar que as mulheres ocupam historicamente.
Ela disse, ainda, que o ministério acredita que não precisa ser para sempre desse jeito e que atualmente existe uma série de programas na administração pública para mudar essa realidade.
“A gente tem programas, inclusive, para homens na ENAP [Escola Nacional de Administração Pública] para aprenderem a ser lideranças masculinas no século 21. Porque a gente sabe que muitas vezes também as mulheres fazem um esforço danado para estar nas posições, às vezes estão ocupando posições de chefe intermediária, mas os homens também precisam olhar para essa questão como uma questão que os que os envolve”, disse.
Questionada sobre a possibilidade da reserva de vagas se tornar uma política pública que deve abranger todos os concursos, como acontece com a política de cotas, a secretária avaliou que ainda é preciso analisar os dados da 2ª edição do CNU, mas que se a ação for bem sucedida, isso pode ensejar novas dinâmicas.
“Quando a gente falava lá atrás de cota para pessoas negras, cotas raciais, isso era um tabu gigantesco, ninguém aceitava e aos poucos o pessoal foi percebendo que era uma questão também de promover equidade. Então, se a gente tiver políticas que levem a normativos ou a outros instrumentos para ajudar a ampliar essa experiência, eu acho que vai ser muito positivo”, apontou.
Nova edição do CNU
A secretária falou também sobre a possibilidade de uma nova edição do concurso em 2027. De acordo com ela, o desejo da pasta é que o CNU seja uma política pública recorrente que aconteça a cada dois anos para que seja possível acumular uma quantidade significativa de vagas.
“A gente acredita acredita que em 2026 vai ser muito difícil a gente fazer outro CPU por conta, enfim, é um ano eleitoral que a dinâmica dos órgãos também acaba sendo impactado, por isso não é que está vedado fazer o concurso, mas nesse momento a gente está trabalhando na perspectiva de um CPU em 2027”, avaliou a secretária.
CNU 2 tem 60% de inscrição femininas
De acordo com o MGI, 60% dos inscritos na 2ª edição do CNU são mulheres. Ao todo, são 456.300 candidatas, frente a 305.180 homens. Outros 48 candidatos se identificaram com o campo “não especificado” em sua base cadastral.
Confira a divisão por blocos:
- Bloco 1 – Seguridade Social: 104.240 mulheres (82% do total)
- Bloco 2 – Cultura e Educação: 49.812 mulheres (71%)
- Bloco 3 – Ciências, Dados e Tecnologia: 10.697 mulheres (30%)
- Bloco 4 – Engenharia e Arquitetura: 16.738 mulheres (41%)
- Bloco 5 – Administração: 104.198 mulheres (60%)
- Bloco 6 – Desenvolvimento Socioeconômico: 21.354 mulheres (48%)
- Bloco 7 – Justiça e Defesa: 30.833 mulheres (57%)
- Bloco 8 – Saúde (Intermediário): 30.366 mulheres (82%)
- Bloco 9 – Intermediário: 88.062 mulheres (49%)
Segundo a secretária, esse número não é reflexo de menor capacidade feminina nessas áreas, e sim da permanência de barreiras sociais. A falta de referências femininas e o menor estímulo à presença de mulheres em cursos técnicos e engenharias continuam impactando decisões profissionais, muitas vezes antes mesmo da escolha do curso superior.
“Mudar esse cenário exige políticas de incentivo, valorização da diversidade e inclusão ativa também nas carreiras estratégicas. A medida de paridade de gênero na convocação da prova discursiva é um passo importante nesse caminho”, destaca.