As despesas do Ministério da Saúde para fornecer medicamentos a pacientes que obtêm decisões favoráveis na Justiça alcançaram R$ 2,73 bilhões em 2024 e o governo Lula (PT) teme crescimento exponencial do gasto com a chegada de novas drogas.
Esse tipo de gastos vem crescendo. O ministério afirmou à Folha, em processo baseado na Lei de Acesso à Informação, que pagou R$ 1,8 bilhão em 2022 para fornecer medicamentos por ordens judiciais. Essa cifra tem subido mais de R$ 400 milhões por ano, alcançando R$ 2,24 bilhões em 2023 e R$ 2,73 bilhões no último ano. Na comparação de 2022 a 2024, a alta foi de 50%.
Apenas cinco medicamentos foram responsáveis por quase metade dos pagamentos. Para pacientes, porém, acionar a Justiça pode ser a única forma de ter acesso a remédios ainda não oferecidos na rede pública, em muitos casos para doenças graves e raras.
Um dos produtos que gera maior preocupação ao governo é o elevidys, terapia genética voltada a crianças com distrofia muscular de Duchenne, comprado por R$ 14,6 milhões. Em julho, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) suspendeu o registro do produto por incertezas sobre a sua segurança, mas o ministério ainda é obrigado a comprá-lo por decisões judiciais.
A Saúde calcula que desembolsaria cerca de R$ 3 bilhões para fornecer a droga a todos os 213 pacientes que têm ações ativas na Justiça por acesso ao elevidys.
Para Antoine Daher, presidente da Febrararas (Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras), parte do custo da judicialização se dá pela demora do ministério em fornecer medicamentos já aprovados pela Anvisa.
“O paciente primeiro procura alguma alternativa terapêutica no SUS. Quando ele vê que não tem, faz um pedido administrativo, seja na secretaria local ou no Ministério da Saúde. Então recebe negativa e ingressa com uma ação judicial, porque a Constituição dá esse direito para ele”, afirma Daher, que é pai de um adolescente com síndrome rara.
Secretário-executivo do Ministério da Saúde, Adriano Massuda afirma que a chegada de terapias avançadas, e de alto custo, torna imprevisível o impacto orçamentário para entrega dos medicamentos.
Segundo Massuda, o ministério busca alternativas para ampliar o acesso aos tratamentos, como negociar preços com a indústria e a produção no Brasil das tecnologias. Ele diz ainda que buscar a Justiça é um direito do paciente, mas que há casos em que os processos são abusivos.
“O problema é o uso da judicialização para fazer com que preços abusivos de medicamentos sejam adotados, explorando a dor das pessoas que precisam dos tratamentos e colocando o governo para arcar com o custo de medicamentos que muitas vezes estão em fase experimental”, disse o secretário.
Ainda de 2022 a 2024, a pasta pagou R$ 875 milhões por decisões envolvendo o fornecimento do vosoritida, um medicamento usado para acondroplasia, um tipo de nanismo. O segundo produto com maior peso no orçamento neste período foi o eculizumabe, tratamento para HPN (Hemoglobinúria Paroxística Noturna), que é uma doença rara das células sanguíneas. Em seguida, o atalureno custou R$ 765 milhões e é utilizado para a distrofia muscular de Duchenne.
Os dados de 2025 indicam R$ 1,7 bilhão empenhado para cumprir ordens de fornecimento de medicamentos, segundo levantamento feito pela Folha com base nos dados de execução do Orçamento federal. Apenas a entrega do elevidys é responsável por R$ 352 milhões.
Massuda reconhece que diversos pacientes buscam a Justiça por drogas que já deveriam ser oferecidas na rede pública, e diz que o ministério tem aperfeiçoado as compras.
“Estamos investindo no sistemas de informação para a maior parte dos pedidos a gente poder vencer na fase administrativa, evitando a judicialização”, disse o secretário.
O ministério ainda firmou, em março, um acordo de compartilhamento de risco para fornecer o Zolgensma, utilizado no tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 1. O remédio é um dos mais caros do mercado e custa cerca de R$ 7 milhões. O contrato condiciona o pagamento ao resultado da terapia no paciente, que será monitorado por uma equipe especializada.
Para Daher, os acordos de compartilhamento de risco são positivos por permitir negociar melhores preços e produzir dados sobre os tratamentos, mas a falta de centros especializados para lidar com os pacientes ainda é uma barreira. Ele ainda defende a reformulação da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), órgão ligado ao ministério, para melhorar o acesso aos tratamentos.
Elevidys fora do SUS
No último dia 13, o ministério rejeitou um pedido da farmacêutica Roche de fornecer regularmente no SUS o medicamento. A análise feita pela Conitec que baseou a decisão do ministério, afirma que “há incertezas quanto à eficácia dessa terapia, além de ela apresentar um perfil de segurança que indica risco potencial de eventos adversos graves, como miosite (inflamação dos músculos) e lesão no fígado”.
O mesmo documento diz que os ganhos clínicos com a droga não superam os do tratamento convencional com corticosteroides. “Também foi discutido o alto custo da terapia e seus impactos financeiros nos sistemas de saúde”, afirma o relatório da Conitec, que estimou impacto de R$ 9,3 bilhões com o tratamento em cinco anos, caso o pedido da Roche fosse aprovado.
A decisão do ministério, porém, não barra a entrega dos medicamento nos casos em que o paciente tem uma ordem da Justiça.
Em nota, a Roche disse que “acredita no potencial transformador dessa nova tecnologia”. “Compreendemos o profundo impacto que esta decisão causa na comunidade de distrofia muscular de Duchenne, especialmente nas famílias que aguardam com altas expectativas por esta terapia, dada a necessidade médica não atendida pela progressão da doença”, diz a farmacêutica.