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“A corrida apareceu por R$ 39 pra mim, mas o passageiro pagou R$ 69”, afirma motorista de app


A jornada de William Luciano começa quando a maioria das pessoas está encerrando o dia. Às 20h, ele sai de casa em Curitiba com o tanque cheio, o aplicativo ligado e uma meta clara: fazer ao menos R$ 250 líquidos antes de voltar para casa ao amanhecer. Ex-caminhoneiro, ele trocou as estradas pelas ruas da capital paranaense e da região metropolitana, onde atua exclusivamente pela Uber.

Sua experiência nos aplicativos tem menos de um ano, inspirado pelo filho que também é motorista, William estudou muito antes de começar e ainda hoje se planeja em cada detalhe. Organiza seus dias por metas, controla o consumo do veículo ao litro e evita corridas que não cobrem sequer os próprios custos. Mesmo assim, enfrenta distorções no modelo de remuneração. “Já fiz corrida que apareceu R$ 39 para mim, mas o passageiro pagou R$ 69”, conta. Afirmando que a taxa da plataforma ultrapassa os 40% em algumas viagens, ele questiona: “Dizem que é 24%, mas os números não batem.”

Nesta entrevista, William detalha sua rotina noturna, os cálculos por trás de cada corrida, as dificuldades impostas pelas plataformas e os dilemas de uma profissão que se tornou, para muitos, a fonte de sustento da família.

Primeiramente eu queria que você começasse contando como começou sua história com os aplicativos. Quando começou?

Ah, eu comecei no ano passado. O meu filho estava fazendo aplicativo, só que ele foi viajar para a Europa e deixou o carro em casa. Eu tinha um caminhão, trabalhava com caminhão. Aí fui fazer um teste nos aplicativos. Trabalhei, acho que, um mês e meio, dois meses, e achei interessante, porque eu ficava mais em casa. Antes, eu precisava estar na estrada direto. Comecei assim. Aí, este ano, veio uma proposta pelo meu caminhão, eu aceitei e vendi ele. Atualmente faço só aplicativo.

Então eu comecei em agosto do ano passado. Fiquei em agosto e setembro. Depois, não trabalhei mais porque meu filho voltou e pegou o carro. Aí, este ano, comecei só no aplicativo. Estou desde fevereiro só com o aplicativo. 

Você era caminhoneiro antes? 

Sim, eu tinha um caminhão. Fazia entregas, sempre viajando. Trabalhei para o Magazine Luiza por 15 anos, fiz MadeiraMadeira, trabalhei na Coca, para a Claro. Então, estava sempre na estrada. 

E você roda em quais aplicativos?

Atualmente, só rodo pela Uber. Tenho os aplicativos instalados, mas só rodo pela Uber mesmo. Preferência, escolha minha mesmo.

E você roda em qual cidade?

Curitiba. Mas atendo a capital e toda a região metropolitana que está em volta, que já são mais de oito municípios.

Como é sua rotina atualmente? Que horas sai? Trabalha quanto tempo? Tira folga?

Em 2001, trabalhei com táxi aqui em Curitiba, então conheço bem as rotas. Fiz um teste trabalhando de dia por quase três semanas, mas não achei viável. Por causa do consumo do carro, estresse diário, trânsito, usuários. Foi complicado. Aí fui mudando o horário. Comecei a trabalhar da parte da tarde até meia-noite, melhorou um pouco. Depois, passei a sair às 8 horas da noite e trabalhar a madrugada inteira. Agora trabalho só à noite mesmo.

Saio, em média, às 8 horas da noite e vou até de manhã. Dependendo do volume de chamadas, fico até mais tarde. Mas meu horário para voltar é 6 horas, por causa do trânsito.

Você trabalha com alguma meta diária? Por exemplo: “só volto para casa depois que eu fizer tal valor”. Alguns motoristas falam R$ 300, R$ 350. Você tem uma meta assim?

Sim, eu tenho uma meta. No começo do mês, minha meta é fazer pelo menos R$ 250 livres, do dia 1º ao dia 15. Depois, essa meta cai, porque diminui o volume. Aí, minha meta é R$ 150 livres.

O que acontece é que muita gente faz a meta sobre o bruto. A maioria do pessoal fala o valor bruto, mas você tem que colocar toda a despesa que tem com o veículo. Tem que fazer um cálculo diário: manutenção do carro, seguro, lavagem. Então, eu separo esses valores para não misturar com o que é meu lucro do dia.
Minha meta varia assim: se quero fazer R$ 200 livres, posso até fazer R$ 600, R$ 700 brutos, mas isso não quer dizer que vai sobrar isso. Hoje, se fizer R$ 600 brutos, você vai pegar mais ou menos R$ 280. Para isso, tem que trabalhar muito, com mais aplicativos, e aí vem o risco: bater o carro, manutenção, multas — que aqui em Curitiba são muito fáceis de acontecer, por qualquer coisa. Então, tem que prestar atenção no que está fazendo.

Teve o cara que falou que faz R$ 12.000 livres. Eu fiz um monte de cálculos aqui, porque trabalho com média. Na época do caminhão, era a mesma coisa: gasto, lucro, líquido. Fiquei pensando: como é que o cara faz R$ 12.000? Não tem como fazer R$ 12.000 livres em aplicativo. Não tem!
Se o cara mora em São Paulo, pior ainda. Lá tudo trava. Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro — não tem como. Dá para fazer uma renda livre, com todas as despesas tiradas, dá no máximo R$ 8.000, trabalhando 12 horas por dia. Caso contrário, não consegue.

Antes de entrar, eu me informei muito. Conversei com um, conversei com outro, e hoje eu priorizo não pelos valores, mas por ficar em casa com a família. Então, minha meta é aquela: R$ 250 ou R$ 150. Se fiz, volto para casa. Às vezes, você não atinge a meta porque não tem volume.

Quanto você fatura por semana? E quanto realmente fica pra você?

No mês de março, por exemplo, tenho a quantia semanal que aparece. Deu uma média de R$ 2.400 por semana em março, trabalhando uma média de 11 a 12 horas por dia. Isso bruto. Tirando os cálculos, o valor livre foi de R$ 1.100 a R$ 1.200. Por quê? Por causa das despesas. Isso varia muito também do carro que a pessoa tem. Tem carro que consome mais, tem carro que consome menos. O combustível que usa também influencia. Hoje, tem carro híbrido, e aí tem muita diferença nisso.

O meu carro é um Logan 2020, três cilindros. É um carro que faz, no máximo, 8 a 8,5 km por litro no álcool. Eu trabalho assim: abasteço sempre 20 litros e trabalho por litros. Se meu carro faz 8, eu tenho 160 km para rodar. Tenho que tentar atingir minha meta dentro desse percurso. E, falo para você, é difícil atingir a meta com isso. Por isso, depende muito do carro. Hoje, o carro mais econômico motorizado três cilindros 1.0, para mim, é o Onix. Só que a manutenção dele é o dobro dos outros.

Então, tem todo esse contexto. Cada um trabalha de um jeito. Eu trabalho por média.
Você precisa organizar horário, alimentação. Acredito que poucos motoristas se alimentem, pra economizar mesmo, porque você vai tomar um café, comer um lanche — qualquer coisa — já foi R$ 25.
E não dá para ficar sem comer.

Falando sobre abastecimento: você abastece todo dia, antes de começar?

Sim, antes de começar eu abasteço. Tenho cadastro em alguns postos de gasolina, e os preços variam bastante — tem posto que cobra R$ 4,89, outro R$ 4,59. Também uso aplicativos que dão desconto de R$ 0,20 por litro, e alguns postos oferecem preços mais baixos para motoristas de aplicativo.
Com esses benefícios, às vezes consigo pagar R$ 4,25 no litro do álcool. A gasolina, claro, é mais cara. Existe ainda a opção do GNV e, hoje em dia, o carro elétrico também tem ganhado bastante espaço. Mas eu, particularmente, ainda não confio nesse tipo de veículo. Para mim, ele é viável por uns cinco anos, no máximo. A desvalorização é muito grande, e logo a manutenção vai começar a pesar — e é um carro caro.

Um modelo simples já custa cerca de R$ 150 mil. Se for pegar um carro para Comfort ou Black, o valor chega a R$ 230 mil. É algo que precisa ser muito bem avaliado. Hoje ele pode até dar lucro e ter baixo consumo, mas e daqui dois, três, quatro anos? A longo prazo, é complicado. Ainda mais porque, no Brasil, não há disponibilidade de peças — tudo precisa vir de fora. Se o carro bater ou precisar de conserto, a burocracia é enorme.

Por isso, a gente precisa estudar tudo com calma. Antes de começar a trabalhar com aplicativo, eu pesquisei bastante, analisei cada plataforma, o que cada uma oferecia e qual delas seria mais rentável para o meu perfil. Hoje, infelizmente, todas — sem exceção — pagam muito pouco por quilômetro rodado, e essa remuneração varia bastante. Antes mesmo de fazer essa entrevista, fiz uma pesquisa e tirei print de tela: atualmente, a maioria das corridas está pagando menos de R$ 1,65 por quilômetro.

No caso da Uber, meu objetivo é manter minha taxa de aceitação e cancelamento sempre zerada. Não cancelo corrida de jeito nenhum — até hoje, não tenho nenhum cancelamento registrado. Às vezes, minha taxa de aceitação acaba caindo, e eu considero isso um erro do próprio sistema. Você está em uma corrida, atendendo um cliente, e o aplicativo fica insistindo com uma nova corrida, piscando na tela. Isso atrapalha no trânsito e incomoda bastante, principalmente quando você está usando o próprio app como navegador. Às vezes, você mal consegue ver a solicitação e já tem que decidir. Aí a pessoa aceita e logo depois cancela, porque não era para o lugar que queria ir.

Outro problema é que a Uber não paga deslocamento. Muitas vezes, você tem que rodar quilômetros até o passageiro. Ontem mesmo, eu estava com um passageiro em um bairro e apareceu uma solicitação a 13 km de onde eu estava. O usuário ia andar só 3 km. Ou seja, no total, seriam 16 km, e a Uber queria me pagar R$ 14. É totalmente inviável — e isso acontece com frequência.

Hoje, meu foco principal são as corridas reservadas, especialmente no período da noite. Essa é a parte mais estável do meu trabalho. Quando recebo uma reserva, avalio se vale a pena, considerando a distância, o consumo do carro e até o local onde a pessoa mora. Tudo isso precisa ser levado em conta. Nessas corridas reservadas, a taxa costuma subir um pouco, às vezes chega a R$ 1,90 ou R$ 2 por quilômetro — mas dificilmente passa disso.

E você vê alguma outra dificuldade nos aplicativos?

Outro ponto bastante complicado é o fato de que, por ser uma plataforma automatizada — e eu acredito que funcione por inteligência artificial, porque claramente não tem uma pessoa por trás operando aquilo em tempo real —, os aplicativos não reconhecem áreas rurais, regiões de risco ou lugares onde simplesmente não dá para entrar com segurança. E o motorista acaba ficando à mercê disso.

Na área rural, por exemplo, pagam uma miséria para você percorrer 15 km de estrada de chão. É um absurdo. O carro sofre muito mais, a deterioração é o dobro, e o risco para o motorista é muito maior. Isso é ainda mais crítico para quem, como eu, trabalha de madrugada.

Eu conheço praticamente todos os bairros de Curitiba e da região metropolitana. Sei identificar as áreas de risco e consigo avaliar se vale ou não a pena aceitar determinada corrida. Mas, no aplicativo, quando a solicitação chega, você não tem como saber. Não aparece dizendo que é área rural. Vem apenas o bairro e a rua, mais nada.

Um exemplo claro disso é Colombo. A demanda lá é alta, justamente porque a maioria dos motoristas evita ir até a região. Não porque seja perigosa em termos de criminalidade, mas por causa das condições das vias: é muito morro, muita rua em que o carro não sobe, não entra, ou tem tanto buraco e estrada de chão que você tem que contorcer o carro inteiro para passar. Eu tenho vários vídeos mostrando isso. E tudo isso para ganhar R$ 12.

Vale a pena colocar um carro de R$ 50 mil, R$ 80 mil, R$ 100 mil ou até R$ 150 mil nesse tipo de situação? Judia demais do carro.

E quantos quilômetros você roda por dia, mais ou menos? 

Depende da meta que eu tenho. Quando coloco 20 litros, rodo 160 km. Mas às vezes vou lá e abasteço de novo. No começo do mês, por exemplo, coloco 50 litros, então rodo uma média de 520 km.
Já cheguei a rodar 700 km. Principalmente quando pego corrida reservada, porque você vai e volta vazio. Às vezes você anda 15 km com o passageiro, mas compensa, porque você foge das corridinhas de 3 ou 4 km, que pagam R$ 5,96. Que eu acho um absurdo.

As plataformas deveriam ter um valor mínimo para corrida. Quatro pessoas dentro do carro por R$ 6? O consumo aumenta por causa do peso. Carro mais pesado consome mais. E a suspensão sofre também.

A gente estava falando sobre ser seletivo com a corrida. Você se considera seletivo? 

Minha taxa de aceitação varia entre 79% e 85%. Eu atendo o cliente quando aceitei porque deu tempo de ver os dados. Minha taxa de remuneração é bem elevada. E minha taxa de cancelamento é zero. Não cancelo de jeito nenhum.

E eu estudei aquelas promoções da Uber, que você precisa ter mais de 60% de aceitação e ser, no mínimo, ouro. Tem que trabalhar bastante. O cancelamento precisa estar abaixo de 20%. Então, se a pessoa tem 70% de cancelamento ou uma aceitação de 15%, 20%, isso prejudica.

Se você tem boa aceitação, recebe promoções. E é o que acontece com o pessoal: muita gente prefere corrida com cartão ou voucher. Eu aceito todas. A única que não gosto de aceitar são aquelas com parada de ida e volta — sai da residência, para em algum lugar e volta. Não aceito esse tipo de corrida. Esse tipo de transporte, 95% das vezes, é coisa ilícita. Já peguei duas assim. Nas três vezes que aceitei, encerrei. Não aceito mais.

Agora, se for do ponto A para o B, depois do B para o C, tudo bem. Sem problema. Porque aí a pessoa vai deixar alguém, depois outro. Mas essas de ir e voltar, eu não pego. É perigoso.

Qual é o melhor e o pior tipo de corrida pra você?

Gosto de corridas longas, principalmente dentro das regiões que conheço bem. Além de terem um valor mais alto, elas me permitem planejar melhor. Só que é preciso ser rápido na decisão — muito rápido. As corridas aparecem na tela por apenas três segundos, e nesse tempo eu já tenho que fazer as contas: quanto tempo vou levar, quanto vou gastar e quanto vai sobrar, considerando a ida e a volta.
Por exemplo, se a corrida tiver 12 km, eu já calculo 24 km — ida e volta — e divido pelo valor da corrida para saber se compensa.

Ficar rodando só dentro da cidade, fazendo corridas curtas, desgasta muito mais o carro. Em uma corrida longa, consigo manter uma velocidade constante, o que ajuda a economizar combustível e preservar o veículo. Já nas corridas curtas, é marcha o tempo todo — primeira, segunda, terceira — sem contar o trânsito, que é um estresse à parte. Por isso, não trabalho durante o dia. Nesse horário, você não consegue manter o ritmo, precisa acelerar e frear o tempo todo. Além do desgaste mecânico, ainda tem o risco de acidente, seja com outros motoristas ou até com pedestres.

Nas corridas longas, eu sei exatamente para onde estou indo, onde o passageiro vai descer, e consigo parar em locais adequados. Já nas curtinhas, não. Muitas vezes você se vê obrigado a parar em local proibido e o passageiro ainda reclama. Aqui em Curitiba, a maior parte da área central tem restrição para estacionar ou parar.
Aí você encosta na faixa amarela, vem o agente de trânsito, e pronto: perdeu a corrida e pode levar multa. Se você tenta parar um pouco mais à frente, o passageiro reclama que não foi no local exato e pode até te reportar para a plataforma. Parar em fila dupla então, nem se fala — e aqui não tem espaço para isso. Numa dessas, o passageiro desce pela porta do lado da rua, e vem outro carro e pode bater, arrancar a porta ou até atropelar alguém. É um transtorno enorme.

Por isso, prefiro as corridas longas. Me dão mais previsibilidade e segurança. Claro que também faço corridas curtas, principalmente no começo do turno ou quando estou entre reservas. Por exemplo, se tenho uma corrida reservada para as 12h30 e a próxima só às 13h30, aproveito esse intervalo para fazer uma corrida rápida ali por perto.

E tem alguma corrida que te marcou muito, seja de forma positiva ou negativa?

Ah, tem várias. Teve uma vez que aceitei uma corrida sem querer. Eu estava mexendo no aplicativo, acabei aceitando. Fui atender, cheguei no hospital, procurei a pessoa, e as enfermeiras vieram me agradecer por ter aceitado. Eu fiquei até espantado. Perguntei por quê. Elas me disseram que o motorista anterior havia cancelado a corrida na frente do passageiro, que era um menino cadeirante com problemas de saúde.
A criança precisava ser carregada no colo. Estavam ali desde as 6 horas da manhã e já eram 5 da tarde. Três motoristas haviam cancelado. Isso me deixou indignado.

O destino era longe, era em outro município, mas mesmo assim — era uma criança com deficiência, com problema de saúde. Aquilo me marcou muito. Não é nem questão de trabalho, é questão de humanidade.

Teve uma outra situação que foi muito estranha. A mulher se trocou dentro do carro. Quando desceu, estava totalmente diferente do que quando entrou. A noite é complicada. Evito pegar pessoal de balada, porque é sempre mais problemático. Pessoal bêbado, hoje em dia qualquer coisa vira acusação de assédio, preconceito. Por isso evito muito corrida de balada no final da noite.

Você já teve alguma experiência negativa como passageiro?

Sim. Já aconteceu comigo. Eu tinha deixado meu caminhão na oficina e precisei levar minha filha ao médico. Chamei a Uber e o motorista aceitava a corrida, mas não vinha.
Isso aconteceu sete vezes. Eu deixei o celular em casa e fui até onde o motorista estava — dava uns 900 metros. Fui a pé. Cheguei lá e o cara estava parado lá, nem vou falar o que ele estava fazendo… Essas coisas acontecem muito.

Essas corridas reservadas que você faz são para que tipo de passageiro?

Geralmente é uma empresa que reserva, ou pessoas indo para o aeroporto, consultas médicas ou coisas assim. Teve uma vez, por exemplo, que fui pegar um passageiro às 5h30 da manhã em São José dos Pinhais. Rodei uns 12 km para buscar e mais uns 15 km para levar.
Cheguei lá e era um senhor cadeirante, com a esposa e a filha. O rapaz era grande, não tinha como ele ir no banco de trás. Falei: “O senhor vai na frente”. Coloquei ele no carro, coloquei o cinto, desmontei a cadeira, coloquei no porta-malas. Eles ficaram parados, olhando, sem palavras. A filha começou a chorar. Essas coisas marcam a gente.

Um grande problema é que você simplesmente não consegue falar com ninguém da plataforma quando tem algum problema. Recentemente, passei por uma situação bem frustrante. Fui bondoso com uma passageira — ela pediu para eu comprar cigarro para ela, e eu paguei com meu próprio cartão. Depois, ela fez o Pix certinho, mas incluiu no mesmo valor o da corrida e o do cigarro.

O problema é que, depois disso, ela entrou no aplicativo e colocou que tinha pago a mais. Resultado? Fui rebaixado em duas estrelas. Eu, que tinha 1.405 avaliações com nota máxima. Tentei contestar, enviei fotos, prints da conversa… tudo. Mas adivinha? Não consegui falar com ninguém.

Só quem está no nível Platinum consegue esse tipo de atendimento. A Uber tem esses níveis — ouro, diamante e platinum —, mas, ironicamente, quem mais gera lucro para a plataforma são os motoristas menores, os que rodam o dia todo. E mesmo assim, esses são os que menos têm acesso a suporte.

Você pode mandar dez mensagens, que vai receber sempre a mesma resposta automática. É tudo gerido por inteligência artificial. Não tem ninguém do outro lado para realmente analisar sua situação.

Você indicaria ser motorista de aplicativo para outras pessoas?

Tudo depende do objetivo da pessoa. Se for para ter uma renda extra, eu diria que é complicado. Tem muita gente que nem precisa realmente trabalhar, mas entra nos aplicativos mesmo assim. Isso acaba tirando a oportunidade de quem realmente precisa. Tem casos de pessoas que brigam com a família, querem espairecer e saem para dirigir como forma de distração. Não precisam da renda, mas fazem mesmo assim — e eu conheço casos assim.

O problema é que, com tanta gente na pista, quem depende do aplicativo acaba ficando em desvantagem, porque a renda diminui. Além disso, como muitos estão precisando, acabam aceitando qualquer corrida. E é isso que derruba o valor das corridas para todo mundo. Uma corrida que paga R$ 15 para rodar 10 km, na prática, significa que você vai rodar 20 km, contando a volta. Aí ainda vem a plataforma e tira mais 24% de taxa. No fim, você recebe R$ 12 para rodar 20 km. Isso prejudica todos nós.

No meu caso, mantenho uma taxa de aceitação entre 75% e 80%. Mas, quando começo a receber muita corrida ruim, desligo o aplicativo, espero uns cinco minutos e ligo de novo. Isso porque a inteligência artificial da plataforma estuda o seu comportamento. Ela entende o padrão de cada motorista, como você costuma trabalhar, e passa a ajustar as corridas com base nisso.

Mas sim, eu indico o trabalho com aplicativo para quem realmente quer trabalhar e precisa da renda. Mas é fundamental ter metas, ter um objetivo claro. Não dá para entrar nisso sem planejamento. É preciso controlar os gastos com combustível, manutenção, e entender que, se a pessoa entrar só para “brincar”, vai acabar gastando mais do que ganhando — e não vai tirar lucro nenhum.

Também é essencial ter um carro econômico. Muita gente acha que o Logan três cilindros, por exemplo, é econômico, mas não é tanto assim quanto parece. Para conseguir tirar R$ 200 livres por dia, dá sim, especialmente entre o dia 1º e o dia 15 do mês. Depois disso, do dia 15 ao dia 26, o movimento costuma cair bastante. Quem já trabalhou com transporte sabe muito bem quais são os períodos de maior volume. 

Você sabe qual é a taxa da Uber nas suas corridas?

Essa questão das taxas é bastante complicada com eles. Uma vez, fiz uma corrida que, para mim, aparecia como R$ 39. Mas, quando finalizei, descobri que o cliente tinha pago R$ 69. Ou seja, quase 50% ficou com a plataforma.

Eles afirmam que a taxa média é de 24%, mas, na prática, em corridas mais longas, essa porcentagem costuma ser bem maior. Já nas corridas curtas, a taxa até pode ser menor, mas o lucro também é praticamente nulo.

O que eu defendo é o seguinte: tudo bem cobrar a taxa, mas deveriam repassar mais para o motorista. Se o cliente pagou R$ 70, por exemplo, o motorista deveria receber pelo menos R$ 55. Afinal, quem sustenta o sistema somos nós, os motoristas.

Outro problema sério é o navegador da Uber — ele é péssimo. Não tem precisão nenhuma. Muitas vezes, você está em um endereço e o cliente está em outro, porque o GPS está atrasado ou adiantado. Isso atrapalha bastante o trabalho.

Pelo menos, a Uber fornece uma tabela detalhada de ganhos. Lá dá para ver o valor líquido, o que foi cobrado do cliente, o que foi aplicado de promoção, os impostos… Dá para conferir tudo. Mas, mesmo assim, os números não batem.

Eram essas minhas perguntas William. Quer acrescentar alguma coisa?

Uma coisa que realmente me incomoda é a imprudência no trânsito. Já vi muitos motoristas dirigindo em alta velocidade, e isso é extremamente perigoso. Recentemente, por exemplo, peguei um passageiro que havia acabado de sair do trabalho. Ele me contou que o motorista anterior estava a 140 km/h e ele teve medo até de chamar a atenção do cara.

O problema é que nem todo carro está com a manutenção em dia. Às vezes o carro é novo, mas não está bem conservado. E nessa velocidade, se acontecer qualquer imprevisto, ninguém sobrevive. Por isso, sempre digo: o motorista precisa ter responsabilidade pela vida de quem está dentro do carro. Tem que dirigir com cautela.

Outro problema muito sério é o uso do celular ao volante — hoje, esse é o maior inimigo do motorista. Tem gente que não larga o telefone. Eu, por exemplo, só mexo no celular quando estou parado, seja na frente da casa do cliente ou em algum ponto seguro.

Esses dias mesmo, um vizinho meu — que também é motorista de Uber, só que da categoria Black — teve o carro batido por outro motorista de aplicativo que estava mexendo no celular. E o pior: com passageiro dentro do carro! É o tipo de coisa que não dá para aceitar.

Quando eu trabalhava com caminhão na estrada, presenciei muita coisa. Pode até parecer exagero, mas falo com tranquilidade: mais de 95% dos acidentes em rodovias acontecem por pura imprudência — e, principalmente, por uso de celular.

Tem muito motorista que fica filmando o painel, exibindo o caminhão a 150, 160 km/h, como se fosse algo impressionante. Já aconteceu comigo de ser jogado para fora da pista três vezes, tudo por conta da imprudência de outros motoristas.

Foi justamente por isso que decidi vender o caminhão e passar a trabalhar dentro da cidade, com aplicativo. Pelo menos aqui, apesar dos desafios, a exposição ao risco é menor.





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