Passaram-se 969 dias entre o momento em que Jair Bolsonaro (PL) rompeu o silêncio após a derrota para Lula (PT) — incentivando manifestações golpistas — e esta segunda-feira 4, dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes decretou a prisão preventiva do ex-presidente.
A decisão de Moraes, relator da ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado, ocorre às vésperas do julgamento do processo e se baseia no suposto descumprimento de uma das medidas cautelares impostas a Bolsonaro: a proibição de utilizar as redes sociais, diretamente ou por meio de terceiros.
As restrições, determinadas por Moraes e chanceladas pela Primeira Turma do STF, não fazem parte do processo sobre a trama golpista, mas de uma investigação aberta em 11 de julho, dois dias depois de Donald Trump anunciar pesadas tarifas contra produtos brasileiros.
Os investigadores suspeitam que Bolsonaro tenha financiado iniciativas para ferir a soberania nacional, trabalhando para que um governo estrangeiro — o dos Estados Unidos — punisse o Brasil e suas autoridades. A estratégia, segundo a PF, buscava intimidar a Justiça brasileira e interferir em processos contra o ex-presidente.
O nome mais ativo dessa ofensiva é Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Vivendo nos EUA desde março, o deputado federal articula com aliados para aplicar sanções a autoridades brasileiras, como o uso da Lei Magnitsky contra Moraes. Em junho, Bolsonaro admitiu ter enviado 2 milhões de reais ao filho.
A escalada até o 8 de Janeiro
O cenário que levou ao ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de Janeiro de 2023 começou a se desenhar semanas antes da posse de Lula. No início de dezembro de 2022, o bolsonarismo fervilhava em conspirações e buscava, a qualquer custo, sinais de uma ruptura institucional.
Em 9 de dezembro, após semanas de reclusão desde o segundo turno, Bolsonaro decidiu aparecer diante de apoiadores no Palácio da Alvorada. Lá, endossou o discurso golpista e lançou recados aos militares: “Nada está perdido. O final, somente com a morte. Quem decide meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês.”
Semanas antes, em 18 de novembro, era o general Walter Braga Netto (PL), ex-ministro da Defesa, quem inflamava a multidão em frente ao Alvorada.“Vocês não percam a fé. É só o que eu posso falar agora.” Questionado por uma apoiadora sobre o “sufoco” do grupo, respondeu: “Eu sei, senhora. Tem que dar um tempo, tá bom?”
Naquele mesmo mês, veio a público um áudio do ministro do Tribunal de Contas da União Augusto Nardes, mencionando “um movimento muito forte nas casernas” e um “desenlace bastante forte na Nação” que estaria por vir. Nardes, contudo, não é alvo da ação sobre o golpe e, por decisão do ministro André Mendonça, não será investigado.
A Polícia Federal, ao revisitar os bastidores da conspiração, concluiu que as declarações de Bolsonaro, Nardes e Braga Netto não foram isoladas. Eram parte de um contexto em que o ex-presidente e aliados civis e militares recusavam-se a aceitar a saída do poder. Paralelamente, bloqueios de estradas, acampamentos diante de quartéis e milícias digitais pavimentavam o caminho para a insurreição.
Documentos apreendidos mostram que, dois dias antes daquele discurso de dezembro, Bolsonaro havia discutido a “minuta do golpe” com comandantes militares no Alvorada. O Exército e a Aeronáutica resistiram. A Marinha, segundo as investigações, sinalizou apoio. Entre as hipóteses apuradas pela PF estava até o assassinato de Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.
As derrotas em série
Ainda no exercício do mandato, Bolsonaro já intuía seu destino em caso de derrota. Em 7 de setembro de 2021, lançou uma de suas declarações mais incendiárias: “[Só saio] preso, morto ou com vitória. Dizer aos canalhas que eu nunca serei preso. A minha vida pertence a Deus, mas a vitória é de todos nós”.
Depois do fracasso da trama, vieram as derrotas políticas e judiciais. Após o 8 de Janeiro, Bolsonaro passou a ser investigado como possível autor intelectual do terrorismo. Declarado inelegível por oito anos, tornou-se réu no STF por cinco crimes: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
A ofensiva judicial ganhou fôlego com provas de inquéritos anteriores — fake news, milícias digitais e atos antidemocráticos — que apontavam para a mesma engrenagem golpista. O cerco apertou. Tentativas de recuperar o passaporte foram barradas de forma unânime: Moraes contou com o respaldo da Primeira Turma e, quando necessário, de todo o plenário. Um Supremo antes fragmentado passou a responder com coesão às ameaças.
À medida que o indiciamento se tornava iminente, Bolsonaro passou a defender anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. Menos por cuidado com os “malucos” — como ele mesmo os chamou — e mais por ver no perdão uma tábua de salvação política perante o STF. Não funcionou.
Em 26 de março, ele foi formalmente denunciado pelos cinco crimes. No mês passado, o procurador‑geral da República, Paulo Gonet, enviou as alegações finais e reafirmou o pedido de condenação de Bolsonaro e dos outros sete réus do núcleo crucial da trama. Para o Ministério Público, o ex‑presidente era “o principal articulador, maior beneficiário e autor dos atos mais graves” contra a democracia.
O caso será julgado ainda neste ano pela Primeira Turma do Supremo: Moraes, Luiz Fux, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Somadas, as penas podem chegar a 43 anos de prisão.
Preso em casa, com tornozeleira eletrônica, banido das redes sociais e sem celular, Bolsonaro aguarda um veredicto que, no horizonte, parece cada vez mais inevitável: a prisão por liderar uma tentativa de golpe.