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Abilio Brunini, prefeito de Cuiabá, que ganha muito bem, enquanto a Prefeitura vive crise financeira
Prefeitos de oito capitais recebem salários maiores do que os dos governadores de seus respectivos estados, com diferenças de até R$ 20,5 mil.
O salário bruto dos gestores municipais chega a R$ 52 mil por mês, cifra que fura o teto constitucional (de R$ 46.366,19).
A maior diferença verificada foi entre o prefeito de Cuiabá, Abilio Brunini (PL), e o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União).
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Enquanto Mendes recebe um salário bruto de R$ 32,3 mil por mês, Brunini ganha R$ 52,9 mil.
A remuneração de Brunini é composta por um vencimento básico de R$ 34,9 mil, sujeito a Imposto de Renda e ao limite constitucional, e uma verba indenizatória de R$ 18 mil por mês, que não é taxada pelo IR e pode ultrapassar o teto.
Com isso, o prefeito da capital mato-grossense recebe mais do que o presidente da República e ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
A verba foi instituída por uma lei municipal em 2021, que dá direito aos R$ 18 mil pelo “não recebimento de diárias, adiantamentos, ajuda de custo, despesas com telefones celulares, segurança, alimentação”, no caso de atividades externas no município e para outros gastos do cargo.
Em nota, a prefeitura afirma que o vencimento básico do prefeito não ultrapassa o teto, como previsto na Constituição, mas a verba indenizatória é autorizada pela legislação local e tem legitimidade reconhecida por órgãos fiscalizadores.
A reforma administrativa, protocolada na Câmara dos Deputados no fim de outubro, prevê limites para as remunerações de prefeitos, que não poderiam ultrapassar até 80% dos vencimentos de governadores.
No entanto, a mudança vale apenas para cidades pequenas, com maior dependência em relação a repasses de verbas estaduais e federais.
Questionado sobre a proposta não estender as regras às capitais, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que presidiu o grupo de trabalho sobre a reforma na Câmara dos Deputados, afirmou que os salários desses prefeitos são definidos autonomamente, mas limitados pelo teto.
“Acho que é suficiente: quem abusar, que enfrente o desgaste com o seu eleitor”, afirmou.
Outro prefeito com uma ampla diferença salarial em relação ao governador é Eduardo Paes (PSD), do Rio de Janeiro.
Paes recebe R$ 35.608 por mês, enquanto Cláudio Castro, chefe do Executivo estadual, ganha R$ 21.868.
Paes é um dos principais aliados políticos de Pedro Paulo.
Em nota, a Prefeitura do Rio de Janeiro afirma que os salários de Paes são estabelecidos por lei municipal, aprovada pela Câmara de Vereadores.
A gestão não comentou sobre o fato de que as cifras superam o salário do governador.
Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo, é o segundo mais bem remunerado do país, atrás apenas do de Cuiabá.
Nunes ganha um salário bruto de R$ 39 mil, acima do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), cujo vencimento mensal é de R$ 36 mil.
A Prefeitura de São Paulo afirma que o salário é fixado pela Câmara Municipal, conforme prevê a Constituição.
No Recife, o prefeito João Campos (PSB) recebe um salário de R$ 25 mil, superior ao previsto para a governadora do estado, de R$ 22,4 mil.
No entanto, Raquel Lyra (PSD) também é procuradora de Pernambuco e, por isso, optou por receber os vencimentos referentes a esse cargo, que são maiores.
Por isso, na prática, Campos recebe menos do que Raquel.
Procurada, a prefeitura não respondeu aos questionamentos da reportagem.
As outras capitais onde os prefeitos ganham mais do que os governadores são Curitiba (PR), Goiânia (GO), Fortaleza (CE) e Florianópolis (SC).
Em nota, a Prefeitura de Goiânia, sob gestão de Sandro Mabel (União), afirma que os salários do prefeito, vice-prefeita e secretários municipais foram definidos pela legislatura anterior e passaram a vigorar em setembro de 2024. Não houve reajustes em 2025 e 2026.
As gestões de Eduardo Slaviero (PSD) em Curitiba, de Evandro Leitão (PT) em Fortaleza e de Topázio Neto (PSD) em Florianópolis não responderam aos questionamentos da reportagem.
A reforma administrativa traz uma série de mudanças para os municípios.
Além da limitação de salários de prefeitos, o texto também propõe limites para gastos de vereadores e para número de secretarias municipais, entre outros.
Essas regras se aplicam apenas a cidades em que as despesas para custeio da administração pública superam a receita corrente líquida, com exceção das capitais.
No caso do limite para salário do prefeito e para número de secretarias, as mudanças também variam de acordo com o número de habitantes dos municípios.
Dados mais recentes do PIB dos municípios, do IBGE, mostram que há duas capitais que têm a administração pública como principal fonte de renda: Macapá (AP) e Boa Vista (RR).
Se a regra prevista na reforma se aplicasse às capitais, ambos os prefeitos seriam afetados pelo limite remuneratório da reforma.
Pela proposta, prefeitos de cidades que tenham entre 300 mil e 500 mil habitantes só poderiam ganhar até 70% dos salários dos governadores.
Em Macapá, o prefeito Antônio Furlan (MDB) recebe R$ 31.920, enquanto em Boa Vista o prefeito Arthur Henrique Brandão (MDB) ganha R$ 24.789.20.
As cifras são 96,7% e 72% dos salários dos governadores do Amapá e de Roraima, respectivamente.
Ursula Peres, professora de gestão pública da USP (Universidade de São Paulo), defende a inclusão de medidas que limitem salários de prefeitos para que não superem as remunerações dos governadores, no texto da reforma.
Ela afirma que o número de habitantes não deveria ser um dos critérios principais para o estabelecimento de regras para os municípios.
“Um prefeito de São Paulo e do Rio não vai ganhar o equivalente ao prefeito de Borá [interior de São Paulo], seja em valor nominal ou em percentual de receita. Como regrar isso para que todos ganhem menos que o governador e com coerência, garantindo autonomia?”
Seria necessário, segundo a professora, pensar em indicadores de gestão local que combinem variáveis financeiras, diagnóstico de capacidade estatal e de desigualdades para estratificar municípios para além da população.
“Há uma grande heterogeneidade municipal, que não se limita à questão populacional. Há muito mais complexidade de variáveis nos municípios do que só a população, que precisa ser considerada quando a gente cria regras administrativas”, afirma a professora.





