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Após líder do CV confessar conspiração, juiz e promotor sofrem tentativa de atentado voltando de inspeção em presídio



Liderança do Comando Vermelho em Mato Grosso, Ismael da Costa dos Santos, detido na Penitenciária Osvaldo Florentino Leite Ferreira, conhecida como “Ferrugem”, em Sinop, confessou a existência de uma conspiração voltada a atentar contra a vida e integridade física dos juízes, promotores e advogados responsáveis pela inspeção realizada na cadeia entre os dias 29 e 30 de outubro de 2025. Perseguição em rodovia e ‘performance’ do detendo levaram a equipe encerrar a vistoria antes do prazo final.

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Segundo o Ismael, o plano foi encomendado pelo diretor Adalberto Dias de Oliveira e teve a participação do subdiretor Antônio Carlos Negreiros dos Santos, considerado seu braço direito no presídio. Ele afirmou que o objetivo seria deslegitimar os relatos de violência prestados por outros presos durante a inspeção.

Pela execução do plano, o faccionado teria recebido a promessa de regalias dentro do presídio, tais como a transferência para Raio Evangélico, onde os reeducandos têm uma autonomia de transitar com liberdade dentro dos Raios, além da garantia de vaga de trabalho externo.

No depoimento, o próprio Ismael confirmou que não estava devidamente algemado. Ele estava sem os 35 marca-passos nos pés e, em seguida, levantou os braços e mostrou que as algemas em seus pulsos estavam abertas, as derrubando no chão. O marca-passos foi deliberadamente retirado e as algemas colocadas de forma simulada, para que ele se soltasse e atacasse as autoridades.

O magistrado solicitou a presença dos policiais penais responsáveis pela condução dos custodiados até a sala de audiência. Contudo, no momento do ocorrido, não havia nenhum policial penal nas proximidades da sala de audiência, sendo constatada uma evidente quebra de protocolo de segurança. Os indícios são de que os policiais saíram deliberadamente para deixar que Ismael atentasse contra as autoridades. Inclusive Ismael relatou que eles o deixariam entrar com um estilete (“chucho”) na sala de audiência, só que ele preferiu não fazer.

O Conselheiro Estadual de Direitos Humanos de Mato Grosso (CEDH/MT), Wesley Snips Correia da Mata, prestou depoimento sobre os fatos (transcrição da mídia em anexo) e relatou que acompanhava a condução dos presos até a sala de audiência, bem como as oitivas realizadas. Informou ter presenciado a determinação do magistrado quanto à obrigatoriedade do uso de algemas e marca-passos (algemas de pés), além da exigência de presença constante de Policiais Penais nas proximidades da sala de audiência. Confirmou que, no caso do custodiado Ismael, tais medidas não foram observadas.

Acrescentou ainda ter presenciado o depoimento do Ismael que afirmou ter sido orientado pelo diretor Adalberto e pelo Negreiros para “avançar” na Autoridade presente, com o objetivo de comprometer a credibilidade da inspeção. O Conselheiro informou ainda que pessoalmente foi tentar localizar agentes prisionais nas proximidades, não encontrou nenhum presente, apenas dois policiais militares da Força Tática especificamente requisitados pelo magistrado, na sala ao lado, responsáveis pela segurança da equipe de inspeção. Relatou também que a Conselheira de Direitos Humanos, Deise Fabiana, teria lhe informado sobre uma movimentação dos policiais penais, que se retiraram para uma área mais afastada da sala de audiência.

Estavam presentes na sala o juiz Marcos Faleiros da Silva, responsável pela inspeção, o promotor de Justiça Luiz Gustavo Mendes de Maio, o defensor Érico Ricardo de Silveira e os servidores Cássia Faleiros e Marcos Siqueiri, Wesley Snipes Correia da Mata e o advogados Márcios Ronaldo Silva e Ícaro Almeida Gomes Freire.

Diante do clima tenso que se instalou na sala de depoimento, o juiz Faleiros se incomodou com a situação e optou por encerrar a inspeção e retornar para Cuiabá naquela noite, logo após as oitivas.

No trajeto entre Rosário Oeste e Cuiabá, na MT-010, por volta das 3h, o veículo oficial do Tribunal de Justiça foi surpreendido abruptamente por uma caminhonete Amarok de vidro fumê, aparentemente cor prata, cuja placa não se conseguiu visualizar, que, de forma abrupta, passou à sua frente, freou bruscamente e tentou interceptar o carro da Corte, posicionando-se no meio da rodovia, na faixa de ultrapassagem.

Contudo o veículo do TJ parou e, em seguida, a Amarok acelerou de maneira intensa e seguiu em alta velocidade, momento em que o motorista do veículo do Tribunal apagou todas as luzes do veículo, encostou o veículo próximo a uma área de vegetação (juquira), e permaneceu parado no escuro escondido, observando a movimentação da caminhonete, que estacionou em um ponto mais elevado da pista.

Durante esse intervalo, a servidora Cássia entrou em pânico, em razão do que havia presenciado anteriormente em Sinop. A Amarok permaneceu parada por aproximadamente 20 a 30 minutos aguardando o veículo do TJ e, depois disso, deixou o local em alta velocidade.

Durante alguns quilômetros, o veículo do TJ transitou na rodovia de faróis apagados para despistar a Amarok suspeita. Embora não haja provas de que o veículo Amarok fosse conduzido por policial penal ou qualquer outro agente estatal, o magistrado consignou que, em 26 anos de carreira, foi a primeira vez que passou por situação semelhante.

 “Ainda que, neste momento, não seja possível afirmar com certeza a participação direta de agentes estatais nos fatos ocorridos fora do ambiente prisional, a sucessão de episódios atípicos, em curto espaço de tempo, associada às quebras de protocolo de segurança dentro da unidade, afasta a ideia de mero acaso. Coincidência ou não, o registro que se faz é o de que o magistrado e os servidores efetivamente se sentiram intimidados e sob risco, circunstância incompatível com o exercício independente e seguro da função jurisdicional e com o dever do Estado de assegurar a integridade física e psíquica de todos os envolvidos em inspeções e atividades de controle do sistema prisional”, diz trecho do relatório.

Diante do caso, Faleiros remeteu o caso à Corregedoria do Tribunal visando apuração administrativa e criminal em face dos agentes penais.

A inspeção
 
O relatório da inspeção descreve um cenário de graves violações de direitos humanos, consolidação de um poder paralelo dentro da unidade prisional e até ameaças diretas à integridade física de autoridades judiciais responsáveis pela fiscalização.
 
Entre os principais pontos destacados está a adoção rotineira do chamado “procedimento”, prática que consiste na submissão dos presos a medidas de controle físico e psicológico degradantes.

Segundo o relatório, os reeducandos eram forçados a permanecer por longos períodos em posições dolorosas, sentados, sem camisa ou nus, com as pernas dobradas e as mãos na nuca, sob xingamentos, humilhações e agressões físicas.

A equipe do GMF constatou o uso constante e indiscriminado de munições de elastômero (balas de borracha) e bombas de efeito moral contra os presos. Durante a inspeção, foram observadas inúmeras cicatrizes antigas e lesões recentes compatíveis com disparos de projéteis de borracha.
 

Além disso, o relatório aponta a prática de tortura térmica pelo fechamento prolongado das celas e a omissão sistêmica no atendimento à saúde. O material também indica que a direção da unidade estava envolvida nas agressões e ameaçava autoridades judiciais, sugerindo que as ações violentas eram retaliações diretas às inspeções.

Ao final, o relatório do GMF conclui que as práticas de tortura e maus-tratos persistem de forma sistemática e institucionalizada na Penitenciária Ferrugem, associadas à consolidação de um poder paralelo que opera em afronta direta ao Judiciário. As agressões, a negligência, as retaliações e as tentativas de intimidação às autoridades evidenciam, segundo o documento, um cenário de graves violações de direitos humanos dentro da unidade prisional.
 
 



FONTE

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