O adolescente de 16 que matou um colega a facadas dentro da Escola Municipal Maria Nascimento Giacomazzi, em Estação (RS), no dia 8 de julho, era descrito como retraído, isolado e com dificuldades de socialização. O perfil, de acordo com o delegado Jorge Fracaro Pierezan, responsável pela investigação, não é incomum em autores de ataques escolares e levanta uma questão preocupante: até que ponto o comportamento retraído e silencioso pode ser um sinal de risco?
Entenda o caso
- De acordo com a Polícia Civil do Rio Grande do Sul (PCRS), o adolescente chegou à escola por volta das 9h40, com uma mochila. Ele disse que entregaria um currículo e pediu para usar o banheiro. Um monitor o acompanhou até o local.
- Ao sair do banheiro, o jovem procurou uma sala de aula. Em seguida, tirou uma faca da mochila e começou a agredir crianças e a jogar bombinhas. Depois, invadiu uma sala de aula, onde atacou outros alunos. A professora também ficou ferida ao tentar proteger os estudantes, segundo a PCRS.
- Vitor André Kungel Gambizari, de 9 anos, foi esfaqueado no tórax e não resistiu aos ferimentos. O menino foi sepultado na tarde de 9/7, uma quarta. Outras duas meninas, ambas com 8 anos, também foram atingidas.
- Uma das vítimas recebeu atendimento e teve alta em 8/7, mesmo dia do ataque. Já a outra, que sofreu traumatismo cranioencefálico, passou por cirurgia e, após melhora clínica, foi liberada cinco dias depois. A professora de 34 anos que também se feriu durante o ataque foi outra que recebeu alta médica.
- Funcionários da escola conseguiram imobilizar o adolescente, que foi apreendido pela polícia. Um dos monitores relatou que desarmou o agressor com uma pá encontrada no depósito da escola, atingindo-o pelas costas.
- A polícia indica que o ataque não foi ainda pior pelo fato de que a escola passou por um treinamento de emergência pouco antes do episódio de violência extrema.
Ao Metrópoles, a coordenadora pedagógica Talita Rangel explicou que o comportamento retraído de um aluno não pode, por si só, ser considerado um indicativo de riscos ou sofrimento emocional.
“Nem sempre. Existem questões de personalidade que fazem parte do desenvolvimento infantil: alguns alunos são mais extrovertidos, outros mais tímidos, e isso é absolutamente natural. A escola, por meio da convivência diária, consegue diferenciar comportamentos típicos de traços de personalidade daqueles que fogem do padrão habitual da criança. O simples fato de um aluno ser mais quieto não significa que ele representa risco ou está em sofrimento. O verdadeiro sinal de alerta é quando há mudanças perceptíveis no comportamento, independentemente de a criança ser mais introvertida ou não.”
O que leva à agressividade na escola
Ela explica que atitudes agressivas dentro da escola podem estar ligadas a fatores externos à instituição. “Muitas vezes, mudanças emocionais percebidas na escola têm origem em fatores externos, como conflitos familiares, situações de negligência, exposição à violência, dificuldades sociais ou emocionais vividas fora do ambiente escolar. Como a rotina escolar é intensa, essas mudanças acabam se manifestando com mais clareza no convívio diário. Quando não há um canal de escuta e acolhimento adequado, o sofrimento pode se traduzir em comportamentos agressivos e menos respeitosos.”
Segundo Talita, é possível distinguir um aluno apenas tímido de um que está enfrentando sofrimento emocional.
“Sim, é possível perceber na rotina escolar. O aluno tímido tende a manter um padrão constante de comportamento, mesmo sendo mais reservado. Já o aluno em sofrimento costuma apresentar mudanças em sua forma de agir, olhar, se comunicar ou se posicionar. Professores e a comunidade escolar conseguem perceber quando há uma alteração significativa em relação ao que é habitual para aquela criança, e isso exige atenção e cuidado.”
O papel da escola na prevenção
Talita também disse que, para lidar com essas situações e evitar que evoluam para algo mais grave, a escola precisa adotar uma postura ativa e acolhedora. “A escola precisa ir além do papel acadêmico, ela deve estar atenta aos aspectos emocionais e sociais dos alunos. Ao perceber mudanças no comportamento, a escola deve atuar em parceria com as famílias, comunicando o que é observado e compartilhando estratégias para lidar com a situação. Além disso, deve se colocar à disposição para dialogar com outros profissionais que acompanham emocionalmente o aluno, como psicólogos ou terapeutas. Isso permite um acolhimento mais seguro e efetivo, prevenindo o agravamento de comportamentos e garantindo um ambiente escolar mais saudável.”
Treinamento de evacuação da escola
O delegado destacou que a tragédia não foi ainda mais grave graças ao preparo da escola. Um treinamento de evacuação havia sido realizado uma semana antes do ataque. “Isso foi fundamental. As crianças souberam como agir diante do perigo. A escola foi esvaziada em dois minutos. Uma professora, ao perceber a situação, abriu os portões — que normalmente ficam trancados — e criou uma rota de fuga. Se os portões estivessem fechados, os alunos ficariam encurralados. As crianças correram como haviam aprendido; apenas uma chegou a cair”.
“Muitas vezes o foco está no aluno que incomoda, que enfrenta. Mas o problema pode estar justamente naquele que é retraído e silencioso.”, disse o delegado.
Ato infracional e internação
A PCRS concluiu o inquérito como ato infracional análogo a homicídio consumado, além de cinco tentativas de homicídio contra outras crianças e uma professora feridas no ataque, e mais uma tentativa contra todos os presentes na escola naquele dia. A investigação foi finalizada nesta quarta-feira (16/7) e será encaminhada ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS).
O adolescente segue internado provisoriamente em um centro de atendimento socioeducativo da Região Norte desde o dia do ataque. A medida tem duração inicial de 45 dias, podendo ser estendida por decisão judicial por até três anos.