O Banco Central do Brasil pediu sua admissão como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.900, que questiona o Decreto Legislativo nº 79/2025 do Estado de Mato Grosso. A norma suspendeu por 120 dias os efeitos financeiros e operacionais de contratos de crédito consignado, cartão consignado e outras operações de crédito celebradas por servidores públicos estaduais.
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Em petição protocolada nesta quarta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral do BC argumenta que a medida estadual pode gerar efeitos contrários aos pretendidos, prejudicando justamente os servidores que a norma pretende proteger.
Riscos para os servidores
Segundo o documento, a suspensão dos descontos em folha descaracteriza a natureza jurídica do crédito consignado, que tem como essência a garantia de pagamento automático. Sem essa garantia, o BC alerta para consequências graves:
Reclassificação do risco de crédito: As instituições financeiras poderão reclassificar o perfil de risco das operações, elevando as provisões para perdas e aumentando os custos do crédito consignado para todos os tomadores.
Negativação: Durante o período de suspensão, embora o decreto vede a inclusão em cadastros de proteção ao crédito, após o término do prazo os servidores poderão ter seus nomes negativados caso não consigam regularizar as parcelas acumuladas.
Cobrança judicial: As instituições financeiras terão que recorrer à cobrança judicial das dívidas, gerando custos adicionais que serão repassados nas taxas de juros futuras.
Acúmulo de dívidas: O decreto proíbe a cobrança acumulada de prestações não pagas durante a suspensão, mas não resolve o problema do endividamento, que continuará existindo ao final do período.
Impacto no mercado de crédito
O Banco Central destaca que as operações de crédito consignado representam aproximadamente 65% do total de crédito pessoal no Sistema Financeiro Nacional, com saldo de quase R$ 718 bilhões em setembro de 2025. A modalidade é responsável pelas menores taxas de juros do mercado justamente pela garantia do desconto em folha.
A autarquia alerta que a norma mato-grossense pode desencadear efeitos sistêmicos:
Retração da oferta de crédito consignado*, com instituições financeiras reduzindo a concessão dessa modalidade;
Aumento generalizado das taxas de juros*, não apenas no consignado, mas em outras modalidades de crédito pessoal;
Substituição por crédito mais caro*, levando os servidores a buscar alternativas como cheque especial e cartão de crédito rotativo, com juros muito superiores;
Impacto desproporcional nas instituições menores*, que atuam predominantemente no segmento de crédito consignado.
Inconstitucionalidade
O BC sustenta que o decreto estadual é inconstitucional por invadir competência privativa da União para legislar sobre direito civil e política de crédito (artigo 22, incisos I e VII, da Constituição Federal). A Lei Federal nº 4.595/1964 atribui ao Banco Central o dever de “exercer o controle do crédito sob todas as suas formas”.
A petição cita precedente do STF na ADI 6.451, de fevereiro de 2024, quando a Corte declarou inconstitucional lei similar do Estado da Paraíba, que também havia suspendido cobranças de empréstimos consignados.
Pedido de liminar
Além de pedir sua admissão como amicus curiae e autorização para sustentação oral, o Banco Central requer a concessão de liminar para suspender imediatamente a vigência do decreto mato-grossense, “tendo em vista a relevância do assunto e o perigo de dano iminente na economia”.
O relator da ADI é o ministro André Mendonça, que determinou a manifestação prévia dos órgãos estaduais antes de analisar o pedido de medida cautelar.
A Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), autora da ação, argumenta que a norma viola ainda o princípio da separação de poderes, a garantia do ato jurídico perfeito e o princípio da livre iniciativa.





