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‘Desculpa, senhor’: a frase interrompida por tiros da PM – 26/05/2025 – Cotidiano


Uma câmera corporal, presa ao uniforme de um policial militar, captou o momento em que a frase “Desculpa, senhor” foi interrompida por dois tiros de fuzil na manhã de 14 de fevereiro de 2024, em Santos, no litoral paulista.

Os disparos acertaram Emerson Rogério Telascrea, 33, que se tornou o 29º morto pela PM na Baixada Santista durante a Operação Verão, a ação oficial mais violenta da corporação desde o Massacre do Carandiru, em 1992.

Na gravação, enquanto se ouve o pedido de desculpas e os dois tiros, a imagem está bloqueada. Emerson já estava ferido, pois tinha acabado de ser atingido por um disparo à distância, também de fuzil.

A versão contada no boletim de ocorrência é de que ele apontava uma pistola em direção a policiais na primeira, na segunda e na terceira vez em que foi alvejado. Há 36 arquivos de vídeo do caso, gravados pelas câmeras corporais, mas nenhum que mostre Emerson armado. Além disso, não há nenhuma imagem da pistola calibre .765 que, segundo os policiais, estaria com ele.

Promotores do Ministério Público estadual arquivaram o caso em fevereiro deste ano, por entender que não havia provas contra a versão dos policiais e que “o uso de fuzis de alta potência foi a resposta necessária diante da gravidade da agressão”. O arquivo foi o destino da grande maioria dos inquéritos da Operação Verão, que deixou um saldo oficial de 56 mortes.

A ocorrência que resultou na morte de Emerson começou, segundo os depoimentos dos policiais, após equipes da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, tropa de elite da PM) serem recebidos com tiros ao se aproximarem de uma favela no bairro Saboó, em Santos. Não há registro desse momento nas gravações.

Os vídeos começam a ser gravados a partir das 8h —quando, segundo o depoimento do comandante, eles já estavam na favela havia algumas horas. As imagens mostram quatro policiais militares no primeiro andar de uma casa em construção.

Às 8h06, um soldado está olhando pela janela e afirma que viu três suspeitos passarem próximo ao imóvel onde os PMs estão escondidos. “Os três olhando para cá”, afirma. Pouco depois, diz: “acho que está armado”. O sargento Andrews da Silva, que chefia a equipe, assume o lugar do subordinado na janela pouco depois e meia hora se passa, com os quatro PMs mantendo praticamente a mesma posição.

Às 8h40, o sargento move algumas tábuas de madeira que estavam apoiadas na janela e se coloca em posição de tiro. Poucos segundos depois, ele dispara o primeiro tiro de fuzil e grita imediatamente para os companheiros descerem.

O sargento Bruno de Arruda e o soldado Danilo Anastácio descem as escadas e saem do imóvel com as lentes das câmeras corporais bloqueadas. Em 30 segundos, Emerson tinha sido baleado outras duas vezes pelo sargento Arruda.

Segundo o relato dos policiais, Emerson teria apontado uma arma em direção a outra equipe da PM que se aproximava numa viatura, e isso teria motivado o primeiro tiro, à distância.

As imagens gravadas logo após os disparos não mostram nenhum outro policial nos arredores além dos quatro que participaram diretamente da ação. Outra equipe chega ao local cerca de dois minutos após o primeiro tiro, e após Arruda pedir apoio via rádio.

O sargento Bruno disse em depoimento que, após o primeiro tiro, quando se aproximou de Emerson, “percebeu que ele ainda segurava uma arma e tentava se levantar” e, por isso, fez o segundo disparo. “Em seguida, observou que o indivíduo ainda apresentava movimentos e, receando uma nova tentativa de reação, realizou outro disparo. Somente então cessaram os movimentos do suspeito.”

Isso não está nas gravações, pois o sargento e o soldado só destapam as lentes das câmeras após o terceiro tiro. É quando Arruda ordena que o soldado Anastácio “desarme” o suspeito. O soldado então veste uma luva de plástico na mão direita e se agacha, mas faz isso de maneira que o corpo de Emerson não aparece na imagem.

Em nenhum momento os policiais dizem para que o suspeito largue a arma, uma diretriz expressa do manual de treinamento da PM. O que se ouve quando eles se aproximam de Emerson é apenas a frase “Desculpa, senhor”, e depois a ordem para o desarme.

Nas gravações das câmeras corporais dos dois policiais, há um lapso de mais de um minuto em que não há gravação de som, justamente no momento em que o soldado se agacha próximo ao corpo e faz o suposto desarme. Quando os equipamentos já estão captando áudio novamente, o soldado diz em alto e bom som: “já desarmei”.

Minutos depois, as gravações mostram que os PMs encontram drogas em sacos plásticos ao redor local onde Emerson foi baleado, em cima de uma mesa de concreto e escondida no meio de uma pilha de entulho.

Um laudo do IML (Instituto Médico Legal) mostrou que a mão direita estava próxima à cintura quando um tiro de fuzil abriu um buraco de sete centímetros, deixando a pele dilacerada e uma fratura exposta, no seu antebraço. A irmã de Emerson, que conversou com a Folha, afirma que ele era destro. E um dos policiais, que viu ele ser morto, foi filmado dizendo que Emerson estaria com a arma na mão direita.

Ou seja, se o tiro que dilacerou seu braço direito foi o primeiro a ser disparado, ele dificilmente conseguiria empunhar a arma novamente. Se foi o segundo ou o terceiro, Emerson já estava caído e com braço direito embaixo do corpo, encostado no chão.

Emerson respondia a uma denúncia por tráfico de drogas, de 2021. Já tinha sido absolvido de uma acusação de roubo e outra de tráfico de drogas.

Questionada, a defesa dos policias afirmou que reserva-se “o direito de fazer manifestações, caso necessário, nos autos” do processo, e ressaltou que o caso foi arquivado a pedido dos promotores que investigaram o caso.

Já o Ministério Público afirmou que o inquérito “não se restringiu ao exame das imagens das câmeras corporais” e citou providências como “a oitiva de testemunhas, a tomada de depoimentos com a versão dos agentes e, evidentemente, a confrontação desses dados com os laudos periciais”.

“A fundamentação da decisão dos promotores de Justiça está detalhada nos autos”, afirmou, ressaltando também que “a promoção de arquivamento foi ratificada pelo Poder Judiciário”.

A defesa da família de Emerson pediu o desarquivamento da investigação. A decisão cabe ao Procurador-Geral de Justiça, chefe do Ministério Público.



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