Reprodução
Mauro Ferreira da Silva (detalhe), servidor do TJMT, era considerado foragido e se entregou à Polícia Civil
A comprovação de que não existe pessoa com foro de prerrogativa de função junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), aliado a um parecer do Ministério Público Federal (MPF), levou o ministro Ricardo Villas Bôas Cuevas a determinar a devolução dos autos da Sindicância 864/2025, que tem como base a Operação Sepulcro Caiado, da Polícia Civil, que investiga suporto desvio de recursos da Conta Única do Poder Judiciário de Mato Grosso.
Nessa cnta, ficam os depósitos judiciais, rendendo correção e juros para eventual ressarcimento ou custear despesas decorrentes de ações judiciais, para o Juízo de Garantias de Cuiabá.
Leia também:
Empresa de lobista de Mato Grosso movimentou R$ 146 milhões
O Juízo de Garantias, que autorizou a operação e as medidas judicias adotadas, é função do magistrado Moacir Rogério Tortato, que volta a ser o responsável pelo processo com a decisão do ministro do STJ, Ricardo Villas Bôas Cuevas, em devolver a competência dos feitos judiciais.
Também vai competir a ele a apuração das investigações e se serão necessárias novas diligências e, até mesmo, novas etapas de apuração.
No STJ, pessoas com foro por prerrogativa de função incluem governadores de Estado, desembargadores de tribunais de Justiça, membros dos tribunais de Contas estaduais e municipais, membros dos tribunais regionais (Federais, do Trabalho e Eleitorais) e membros do Ministério Público da União que atuam perante tribunais superiores.
“Não há indícios de envolvimento de desembargadores nos crimes em apuração constantes destes autos, razão pela qual não subsiste, nesta etapa processual, competência do Superior Tribunal de Justiça para processamento e julgamento do feito. Ademais, apesar de ter sido comunicada a ciência de possível envolvimento de pessoa com foro por prerrogativa de função perante o Superior Tribunal de Justiça, não se apontou nenhum fato concreto envolvendo algum desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Ante o exposto, declino da competência para o primeiro grau de jurisdição, com a remessa destes autos, dos autos da Cautelar Inominada Criminal n° 159 e do Relatório Final de Inquérito, juntamente com os demais documentos encaminhados pela autoridade policial, para o Juízo de Garantias de Cuiabá/MT”, disse, em seu despacho, Ricardo Villas Bôas Cuevas.
A devolução dos autos para o Juízo de Garantias de Cuiabá e para a Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso deve levar as autoridades policiais a reabrirem as apurações, já que em seu próprio despacho encaminhado ao ministro Villa Bôas Cuevas, o delegado que presidiu o inquérito, Pablo Bonifácio Carneiro frisou que: “Impende ratificar que os 17 processos judiciais ora analisados representam apenas a parcela inicial de um esquema criminoso de proporções significativamente maiores, cujo alcance total ainda não pode ser dimensionado neste caderno”.
Segundo ele, “os elementos probatórios coligidos indicam fortemente a existência de dezenas, possivelmente centenas de outros processos fraudulentos seguindo idêntico modus operandi, o que pode elevar o prejuízo causado aos cofres públicos a patamares muito superiores aos R$ 11.754.630,99 já confirmados pelo Tribunal de Justiça.
“Cumpre destacar que, em 10 de julho de 2025, através do Ofício n. 1349/2025-PRES, o Excelentíssimo Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, desembargador José Zuquim trouxe informação de extrema gravidade ao comunicar que, além dos R$ 11.754.630,99 inicialmente identificados nos 17 processos analisados, foi verificada a existência de outras transações fraudulentas que podem ultrapassar o montante de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Tal revelação confirmou as suspeitas iniciais de que o esquema criminoso possui proporções muito maiores do que as apuradas até o momento, podendo o prejuízo total aos cofres públicos alcançar, no mínimo, a cifra de R$ 21.754.630,99”, acrescentou.
Ouve-se, nos meios jurídicos, principalmente de defensores dos acusados, que, possivelmente, devem ser deflagradas novas diligências e operações decorrentes da Operação Sepulcro Caiado.
O problema maior, que os próprios advogados de defesa confidenciam é a exposição que a própria Polícia Judiciária Civil acabou impondo a pessoas que tiveram seus nomes submetidos a um linchamento moral sem a devida comprovação do envolvimento, apenas por suposições que necessitam de maiores e mais profundas apurações. Ou seja, existe a forte possibilidade de novas fases da Sepulcro Caiado – inclusive, de novas prisões.
No encerramento do inquérito, antes da sua remessa ao STJ, e que, a partir de agora, com a decisão do ministro relator volta a ser apreciado em Mato Grosso, o próprio delegado Pablo Bonifácio Carneiro afirmava que “em relação aos investigados Flávia de Oliveira Santos Volpato; Julia Maria Assis Asckar Volpato; Guilherme Porto Corral; Keyyly Gonçalves Martinez, Eva da Guia Magalhães e Cláudia Regina Dias de Amorim Del Barco Correa, não há, no presente momento, elementos probatórios suficientes para proceder ao formal indiciamento nos autos deste inquérito policial”.
A análise criteriosa do conjunto probatório, até agora, demonstra que, embora existam indícios de possível participação desses investigados no esquema criminoso apurado, as evidências atualmente disponíveis não alcançam o grau de certeza necessário para a imputação formal de responsabilidade criminal, disse.
“Tal constatação decorre da necessidade de aprofundamento investigativo, especialmente no que tange à análise dos volumosos dados telemáticos, bancários e fiscais já obtidos mediante autorização judicial, mas que, em razão do exíguo prazo para conclusão deste caderno investigativo, não puderam ser integralmente examinados”, completou.
Mais à frente, ele relata: “Importa ressaltar que a ausência de indiciamento neste momento não configura, de forma alguma, isenção de responsabilidade ou arquivamento das investigações em relação a esses suspeitos. Trata-se de medida de prudência investigativa, fundamentada no princípio da busca pela verdade real e na necessidade de se estabelecer, com a devida segurança jurídica, o grau e a natureza da participação de cada investigado nos fatos delituosos”.
Odelegado Pablo Bonifácio Carneiro, em sua fala, deixa margem a interpretações diversas e amplas, já que ele exerce o papel de apurador, denunciador, acusador e, até mesmo, de julgador.
No primeiro habeas corpus, despachado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, justamente para João Augusto Ricci Voipato, apontado pela Polícia Civil como o “cérebro”, que comandou os possíveis desvios, ele afirmou: “A gravidade da linha investigativa adotada pela autoridade policial, porém, não pode redundar na antecipação de pena – o que é vedado pelo princípio da presunção de inocência. Nem pode conduzir a atalhos como a indevida flexibilização dos requisitos da prisão cautelar. Essa medida exige não apenas o preenchimento do requisito da contemporaneidade – não presente neste caso, ante a constatação de que o último pedido de levantamento de alvará ocorreu no início de 2023, há mais de dois anos portanto, exige ainda que a prisão cautelar seja a única medida capaz de inibir o perigo gerado pela liberdade do acusado, não sendo suficientes as medidas cautelares alternativas”.
Gilmar Mendes foi mais além: “Destaco que os fatos narrados nestes autos são graves e demandam apuração rigorosa não apenas pelas autoridades policiais como também pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). É fundamental investir em sistemas eletrônicos e protocolos de segurança que impeçam fraudes dessa natureza. Eventos dessa natureza abalam a imagem do Judiciário e causam prejuízos a toda a sociedade”.
Portanto, é necessário um esforço das autoridades para que sejam identificados todos aqueles que direta ou indiretamente concorreram para as fraudes apontadas pela Polícia Civil. Quem com elas contribui de qualquer forma deve ser investigado e processado e, se houver provas de seu envolvimento, condenados na medida da sua culpabilidade.
Já o ministro-relator no STJ, Ricardo Villas Boas Cuevas afirmou que trata-se de procedimento instaurado originariamente perante o primeiro grau de jurisdição para apurar a existência de grupo criminoso responsável pelo levantamento de quantias depositadas na conta judicial única do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, “mediante a propositura de demandas fraudulentas”.
Diante da informação sobre o “possível envolvimento de pessoa com foro por prerrogativa de função no Superior Tribunal de Justiça”, encaminhada pelo Corregedor Nacional de Justiça (e-STJ fls. 1/2), e após requerimento do Ministério Público Federal, o presidente do STJ determinou a remessa imediata do “inquérito policial n. 215.4.2025.21518, cujo trâmite está sob os cuidados da Polícia Civil do Mato Grosso (PCMT) e no, âmbito judicial, do Núcleo de Inquéritos Policiais’ ao STJ, incluindo-se ‘procedimentos correlatos, dados brutos e eventuais medidas cautelares adotadas'” (e-STJ fls. 12-13).
O procedimento foi distribuído ao gabinete e, considerando que havia investigados presos e que um deles estava foragido, delegou-se “atribuição investigativa à Delegacia Especializada de Estelionatos de Cuiabá/MT, provisória e excepcionalmente, até o dia 08/08/2025” (e-STJ fls. 6.806-6.807).
Com a apresentação do relatório pela autoridade policial, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo declínio da competência ao juízo de primeiro grau (e-STJ fls. 6.904-6.912).
A competência originária do Superior Tribunal de Justiça para o processamento de procedimentos criminais está prevista no art. 105, I, “a”, da Constituição Federal, nos seguintes termos:
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I – processar e julgar, originariamente: a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais; (…)” (grifou-se). A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a competência originária somente se justifica diante da existência de indícios concretos da participação de autoridades com prerrogativa de foro nos supostos crimes em apuração.
“Neste caso, não foram constatados indícios concretos do envolvimento de desembargadores no suposto esquema criminoso, conforme se depreende do resumo das apurações lançadas na manifestação do Ministério Público Federal de e-STJ fls. 6.904-6.912: Segundo consta da apuração, o núcleo central da associação criminosa era liderado por João Gustavo Ricci Volpato, empresário do ramo de factoring, casado com Flávia de Oliveira Santos Volpato. Seu aparelho celular, apreendido no curso das diligências, evidenciou a exclusão sistemática de conversas e a posse de documentos financeiros relevantes”, acrescentou.
MOVIMENTO FINANCEIRO – Entre setembro de 2020 e maio de 2021, movimentou R$ 2.739.564,00, montante incompatível com sua capacidade financeira declarada, recebendo, entre outros créditos, R$ 281.013,00 da RV Empresa de Cobrança Ltda. e R$ 190.373,86 da Franca e Moraes Sociedade de Advogados S/S.
A esposa, Flávia de Oliveira Santos Volpato, figura em Relatório de Inteligência Financeira (RIF) como responsável pela aquisição de imóvel no valor de R$ 37.521,82, quitado integralmente em espécie, com indícios de ocultação patrimonial.
A mãe, Luiza Rios Ricci Volpato, é sócia formal da RV Empresa de Cobrança Ltda. – ME, utilizada para circulação de recursos ilícitos. Transferiu R$ 80.000,00 para Augusto Frederico Ricci Volpato (filho) em abril de 2019 e realizou movimentações de R$ 222.576,51, entre novembro de 2020 e agosto de 2021, igualmente incompatíveis com sua renda declarada.
O irmão, Augusto Frederico Ricci Volpato, sócio da Labor Fomento Mercantil Ltda. – ME, movimentou, em 2019, valores de R$ 253.308,00, R$ 350.600,00 e R$ 217.000,00 em contas distintas, sem documentação comprobatória idônea. Recebeu R$ 80.000,00 de Luiza Rios Ricci Volpato e foi vinculado, por planilhas apreendidas na residência de Mauro Ferreira Filho, a novos processos fraudulentos.
Também se apurou a atuação de Julia Maria Assis Asckar Volpato (cunhada de Augusto) e Guilherme Porto Corral (cunhado de Augusto), este último responsável por transferir R$ 1.042.240,00 para Augusto entre agosto de 2021 e setembro de 2023, sem justificativa econômica aparente, caracterizando triangulação e pulverização de valores.
A Franca e Moraes Sociedade de Advogados S/S, representada por Wagner Vasconcelos de Moraes e Melissa França Praeiro Vasconcelos de Moraes, recebeu a maior parte dos valores liberados por alvarás assinados pelo então juiz, hoje desembargador do Pleno do Tribunal de Justiça, Luiz Octávio Oliveira Sabóia Ribeiro (R$ 114 mil a R$ 582 mil), atuando como procuradora de João Gustavo em todos os processos fraudulentos identificados.
Constatou-se, ainda, a participação de outros advogados em condutas relevantes para a operacionalização do esquema delituoso. Themis Lessa da Silva figurou como representante de supostas vítimas em dez processos judiciais, sem que se verificasse vínculo legítimo com estas, o que reforça indícios de atuação simulada para viabilizar as fraudes.
Régis Poderoso de Souza esteve envolvido em cinco demandas identificadas como fraudulentas, sendo que sua convivente, Denise Alonso, foi alvo de apreensão de expressivas quantias em espécie e de ouro, circunstância compatível com a ocultação ou dissimulação de proveitos ilícitos.
Rodrigo Moreira Marinho confessou ter cedido seu token de acesso ao sistema processual eletrônico a Wagner, fato que denota violação grave do dever funcional e instrumentalização de credenciais para prática de atos ilícitos.
Por fim, João Miguel da Costa Neto foi acusado de orientar determinada vítima a não denunciar quitação fraudulenta de dívida, conduta que, se confirmada, caracteriza não apenas conivência, mas efetivo auxílio à manutenção do resultado criminoso.
Mauro Ferreira Filho, servidor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (matrícula nº 6070), foi formalmente apontado como um dos principais articuladores das irregularidades envolvendo depósitos judiciais.
Detinha posição estratégica na estrutura criminosa, centralizando o envio, ao Banco do Brasil, de todos os documentos fraudulentos elaborados no sistema CIA, o que denota não apenas confiança interna, mas também pleno conhecimento e coordenação das fraudes. (…) Eva da Guia Magalhães, servidora do TJMT (matrícula nº 88), foi identificada como responsável pela elaboração de planilhas fraudulentas no sistema CIA.
Em interrogatório, alegou que apenas executava procedimentos repassados, localizando processos e elaborando planilhas conforme determinações judiciais, atribuindo a Mauro Ferreira Filho eventuais alterações posteriores com inclusão de dados falsos.
Negou envolvimento com advogados ou beneficiários e não foi indiciada no relatório final. Contudo, a análise da natureza de suas condutas e eventual negligência grave ainda demanda aprofundamento investigativo, dada a relevância de sua atuação operacional para a concretização das fraudes.
Cláudia Regina Dias de Amorim Del Barco Correa, servidora do TJMT (matrícula nº 3978) e então Diretora do Departamento de Depósitos Judiciais, assinava planilhas e ofícios relativos à movimentação de valores, atestando suposta conferência nos sistemas bancários.
Reconheceu conhecer Mauro apenas de vista e afirmou que Eva da Guia solicitava eventualmente auxílio técnico ao colega, sem suspeitar de irregularidades. Negou participação ou negligência, alegando cumprimento estrito das ordens judiciais, inclusive durante a pandemia, quando atuava remotamente.
Não foi indiciada, mas, assim como no caso de Eva, a extensão de sua responsabilidade, frente à posição hierárquica e à assinatura de documentos fraudulentos, exige análise aprofundada para elucidar se houve dolo ou falha grave no dever funcional.” (grifado no original).
Destaca-se a seguinte conclusão: “Verifica-se que a fase pré-processual da presente investigação encontra-se, em princípio, concluída, tendo resultado no indiciamento de diversos investigados”, disse o ministro Villas Bôas Cuevas.
Ele ainda reafirma que não há indícios de envolvimento de desembargadores nos crimes em apuração constantes destes autos, “razão pela qual não subsiste, nesta etapa processual, competência do Superior Tribunal de Justiça para processamento e julgamento do feito” (eSTJ fl. 6.910, grifou-se).
Ademais, apesar de ter sido comunicada a “ciência de possível envolvimento de pessoa com foro por prerrogativa de função” perante o Superior Tribunal de Justiça (e-STJ fl. 1), não se apontou nenhum fato concreto envolvendo algum desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
“Ante o exposto, declino da competência para o primeiro grau de jurisdição, com a remessa destes autos, dos autos da Cautelar Inominada Cribá.minal n° 159 e do “RELATÓRIO FINAL DE INQUÉRITO”, juntamente com os demais documentos encaminhados pela autoridade policial, para o Juízo de Garantias de Cuiabá”, completou, na sentença





