O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu nesta segunda-feira (18) que ordens judiciais e executivas de governos estrangeiros precisam ser homologadas no Brasil para ter eficácia.
A decisão, concedida em um processo sobre a tragédia de Mariana (MG), busca blindar o ministro Alexandre de Moraes do impacto da Lei Magnitsky – sanção financeira imposta ao magistrado pelo governo de Donald Trump, dos Estados Unidos.
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Dino diz que “leis estrangeiras, atos administrativos, ordens executivas e diplomas similares não produzem efeitos em relação a:
a) pessoas naturais por atos em território brasileiro;
b) relações jurídicas aqui celebradas;
c) bens aqui situados, depositados, guardados, e d) empresas que aqui atuem”.
O ministro afirma que a “extraterritorialidade, no âmbito jurídico, é absolutamente excepcional” e destaca o risco à segurança nacional do cumprimento imediato de decisões estrangeiras sobre o Brasil.
“[A violação à decisão] Constitui ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes, portanto presume-se a ineficácia de tais leis, atos e sentenças emanadas de país estrangeiro”, diz o ministro.
“Tal presunção só pode ser afastada, doravante, mediante deliberação expressa do STF, em sede de Reclamação Constitucional, ofertada por algum prejudicado, ou outra ação judicial cabível”, conclui.
A ordem foi enviada para o Banco Central, a Febraban (Federação Brasileira de Banco), CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras) e CNSeg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização).
Dino concedeu a decisão cerca de 15 dias após ministros do Supremo se reunirem com presidentes e representantes de bancos. Um magistrado afirmou à Folha que o encontro foi promovido pelos banqueiros, para explicar a extensão das sanções financeiras aplicadas contra Moraes.
Os ministros foram informados que movimentações financeiras para o exterior, em dólar, estariam atingidas pela Lei Magnitsky. Restrições a contas ou transferências no Brasil não estariam ainda na mesa, disse o ministro, sob reserva.
AÇÃO SOBRE DESASTRE DE MARIANA – A determinação de Dino foi dada no âmbito de uma ação do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), que tentava impedir que municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo prosseguissem com uma ação na Justiça do Reino Unido pela tragédia de Mariana, causada pelo rompimento de uma barragem há dez anos.
O processo foi aberto em 2024.
O instituto tenta conseguir no Supremo a declaração de inconstitucionalidade de municípios recorrerem à Justiça estrangeira “em detrimento da jurisdição brasileira, sobre fatos ocorridos no Brasil e regidos pela legislação brasileira”.
O STF homologou no último ano um acordo de R$ 170 bilhões entre as empresas Samarco Mineração, Vale e BHP Billiton e a União, os estados de Minas Gerais e Espírito Santos e representantes de comunidades atingidas pela tragédia.
A ação judicial movida em Londres pode chegar a R$ 260 bilhões.
O foco do processo está na BHP, empresa anglo-australiana que controla a Samarco ao lado da brasileira Vale.
Dino diz que sua decisão tem como base um documento apresentado ao Supremo em 6 de março deste ano. Era uma medida cautelar concedida pela Justiça britânica em benefício de municípios interessados no processo sobre Mariana.
A decisão da Justiça britânica dizia que a BHP deveria enviar uma petição ao Supremo pedindo a desistência de parte da ação no Brasil que questionava o pagamento de honorário advocatícios dos municípios para escritórios contratados no exterior.
Dino afirma que a decisão não tem eficácia para empresas e municípios sediadas no Brasil.
“A submissão de um Estado nacional à jurisdição de outro constitui um autêntico ato de império, assim compreendido como exercício de suas prerrogativas soberanas”, completa.
A controvérsia corre no Supremo desde outubro de 2024. O ministro Flávio Dino proibiu que os municípios pagassem os honorários advocatícios em contratos para ações judiciais em tribunais estrangeiros.
A ideia era evitar o repasse de dinheiro público aos advogados no exterior enquanto o STF discute se os municípios podem ou não entrar com ações judiciais fora do Brasil.
No Supremo, a avaliação é que a nova decisão de Dino tem pouco impacto sobre a ação dos municípios na Justiça britânica. O processo segue em sua fase final, e as prefeituras ainda estão impedidas de pagar os honorários advocatícios.
BANCOS – O ministro aproveitou o tema sobre soberania nacional e a discussão sobre extraterritorialidade levantada na ação do Ibram para avançar no escopo do processo e blindar Moraes.
A decisão deve ser levada ao plenário do Supremo, para referendo.
A Lei Magnistky prevê que pode ser incluído no rol de sancionados quem colaborar com as condutas condenadas pelos EUA.
A pessoa punida recebe uma sanção da Ofac, Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros, que pertence ao Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.
Por meio da decisão, o governo americano determina o congelamento de qualquer bem ou ativo que a pessoa sancionada tenha nos Estados Unidos e também pode proibir entidades financeiras americanas de fazerem operações em dólares com ela.
A medida incluiria o uso das bandeiras de cartões de crédito Mastercard e Visa, por exemplo. Os efeitos para as transações de Moraes em reais no Brasil ainda estão sob análise dos bancos.
Até o momento, porém, os bancos brasileiros têm entendido que somente transações internacionais, em dólar, estão bloqueadas, e as de reais estariam mantidas.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), diz ter transmitido ao secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, a avaliação de que bancos brasileiros não estão executando as sanções a Moraes pela Lei Magnistky na totalidade.