Grandes empresas e representantes de setores brasileiros ganharam um protagonismo inédito nas relações internacionais durante o primeiro ano do terceiro mandado de Donald Trump nos Estados Unidos. Diante do tarifaço contra produtos brasileiros exportados, companhias precisaram usar de sua influência junto a clientes e ao próprio governo americano para contornar uma alíquota restritiva contra seus produtos.
De aviões da Embraer à carne da JBS, diversos setores da economia brasileira receberam com receio a notícia, em julho, de que produtos nacionais seriam alvo de uma tarifa de 40%, adicionada aos 10% já impostos anteriormente a diversos parceiros comerciais. Não demorou para que eles fossem à mesa de negociação.
Mesmo antes do governo brasileiro conseguir estabelecer contato com o alto escalão da gestão Trump, o CEO da Embraer, Francisco Gomes Neto, havia se reunido com autoridades como os secretários do comércio Howard Lutnick, do Tesouro, Scott Bessent, e do transporte, Sean Duffy. Quando Trump efetivamente assinou o decreto oficializando o aumento dos impostos contra produtos brasileiros, aviões e suas peças foram poupados.
“As relações internacionais agora saem do campo apenas político e começam a ser importantes as relações entre as empresas. Não só o canal do governo busca diálogo. E foi isso que as empresas brasileiras fizeram”, explica a professora do Instituto de Relações Internacionais da USP, Marislei Nishijima.
Mas a longa lista de exceções feitas aos produtos nacionais no tarifaço não foi só um efeito do lobby de companhias brasileiras junto ao governo americano e seus clientes locais: o Brasil é um grande exportador de produtos comuns da mesa americana, como suco de laranja, café e carnes.
No primeiro momento, o suco de laranja foi outro dos produtos poupados pelo governo americano, quando as relações institucionais entre Brasil e Estados Unidos seguiam impedidas. Dados de julho apontavam que o Brasil fornecia 42% das importações de suco de laranja aos EUA.
Continua depois da publicidade
Em sua carta anunciando a sobretaxa contra o Brasil, Trump citou diretamente o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) pela trama golpista, classificando o processo como “perseguição politicamente motivada” e acusando autoridades brasileiras de cometer “abusos graves de direitos humanos”. Mais tarde, se tornou público que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o blogueiro Paulo Figueiredo se aproximaram da gestão Trump em busca de sanções contra o Brasil.
Outros produtos sensíveis à cesta de alimentos americana seguiram impactados por uma tarifa agregada de 50%. A carne e o café exportados pelo Brasil, por exemplo, seguiriam mais caros.
E apesar do que poderia se esperar em um primeiro momento, os produtos brasileiros destinados ao mercado americano precisariam encontrar outros caminhos. O café, por exemplo, viu a Europa acolher boa parte da demanda perdida nos EUA, com um aumento de exportações na casa de 28,9% na comparação do acumulado até novembro de 2025 com o ano passado. As vendas de carne bovina foram mais que compensadas, em especial devido à demanda chinesa, com crescimento de 39,8%, mostram dados do Indicador de Comércio Exterior (ICOMEX), da FGV.
Continua depois da publicidade
Embora commodities em geral tenham encontrado alternativas comerciais em outros mercados, parte dos produtos que seguem sobretaxados podem encontrar uma dificuldade de reposicionar suas exportações. “Para máquinas e equipamentos, produtos industrializados que seguem a especificação do consumidor de destino, fica mais difícil substituir. Quando se perde mercado, é mais difícil reconquistá-lo”, pondera o coordenador do Centro de Negócios Globais da FGV e ex-secretário do Comércio Exterior, Lucas Ferraz.
Para Nishijima, as relações internacionais hoje são muito influenciadas pela polarização — reforçada pelas redes sociais. Essa dinâmica tem feito com que países busquem alinhamentos estratégicos com pares do mesmo espectro ideológico, o que ficou marcado na relação de Donald Trump com o presidente argentino Javier Milei, por exemplo.
O efeito disso, para o Brasil, foi uma desvantagem na relação com os Estados Unidos dada a “mudança de turno” nas administrações federais, quando Donald Trump assume pela extrema-direita americana e Lula como um representante da esquerda brasileira.
Continua depois da publicidade
Diferentemente do que alguns poderiam pensar, no entanto, a imprevisibilidade de Trump na política internacional não reduziu investimentos nos Estados Unidos justamente pelo fator ideológico. Países acabam investindo eu seu pares alinhados ideologicamente.
A reaproximação
Quando Trump subiu ao palco para fazer o seu discurso na 80ª Assembleia Geral da ONU, no dia 23 de setembro, o presidente Lula, na plateia, reagiu com surpresa à fala do seu par americano. “Tivemos uma excelente química. Ele me pareceu um homem muito agradável. Eu gostei dele, e só faço negócios com pessoas de quem gosto”, disse Trump sobre Lula, poucos minutos após um breve encontro entre os dois nos bastidores. O presidente sinalizou para uma nova reunião em breve.
Três semanas antes, outro brasileiro já havia conversado com o presidente americano. Segundo noticiou a Reuters, o proprietário do frigorífico JBS, Joesley Baptista, esteve junto a Trump em uma reunião particular. Nela, Baptista teria dito a Trump que as tarifas impostas a produtos brasileiros estavam tornando a carne bovina mais cara para os americanos.
Continua depois da publicidade
O que seguiu desde o encontro entre Lula e Trump na ONU foi uma reaproximação entre os dois mandatários e o restabelecimento de contatos diplomáticos de alto nível. No dia 20 de novembro, o presidente americano derrubou as tarifas adicionais de 40% sobre uma série de produtos brasileiros. A carne estava entre eles.
“O carisma é algo forte do Lula. Ele balanceou isso quando conversou com Trump”, diz Nishijima. “As relações internacionais estão nessas fases de governo que trocam, e também estão sendo mediadas por empresas.”
O Governo Federal estima que 22% das exportações brasileiras para os Estados Unidos permanecem sujeitas às sobretaxas. Segundo o cálculo, dos US$ 40,4 bilhões exportados pelo Brasil aos EUA em 2024, US$ 8,9 bilhões seguem sujeitos à tarifa adicional de 40%.
Outros US$ 6,2 bilhões continuam com uma tarifa de 10% e US$ 10,9 bilhões estão sujeitos às alíquotas diferenciadas da Seção 232, aplicadas a setores sob o argumento de segurança nacional como siderurgia e alumínio.
Um cálculo feito pelo Centro de Estudos de Negócios Globais da FGV EESP (FGV Global Business) aponta para um número maior, de 41% dos produtos ainda taxados em 50%. Ferraz explica que produtos sujeitos à Seção 232 não devem ser desconsiderados da conta, já que países como o Reino Unido, por exemplo, conseguiram negociar suas alíquotas mesmo para setores sujeitos às investigações.
Se nem todos os países são igualmente taxados, o correto seria considerar produtos sujeitos à alíquota da Seção 232, aponta Ferraz, já que há uma diferença na competitividade relativa dos países.
“A remoção desses produtos, dessa nova lista de produtos, incluindo carne bovina, café e frutas, principalmente, teve muito mais a ver com a inflação de alimentos nos
Estados Unidos, que cresceu bastante”, explica Ferraz. O CPI, índice de preços ao consumidor, calcula uma inflação de 2,6% nos alimentos no acumulado de 12 meses até novembro.
Para ele, a reaproximação entre os países ainda não teve grandes efeitos práticos além da reaproximação do diálogo entre interlocutores de alto nível da diplomacia. “Para termos um resultado concreto positivo, precisaremos mudar a estratégia negociadora”, aponta o pesquisador.
Temas caros ao governo americano, como a exploração de terras raras, as barreiras contra o etanol americano e a regulação das big techs podem precisar ser colocados nas mesas de negociação em próximas reuniões bilaterais.





