Brian Wilson morreu, nesta quarta-feira (11), aos 82, e sua importância para a história da música do século 20 é incomensurável. Talvez só Paul McCartney, John Lennon e Stevie Wonder tenham composto canções pop tão belas.
Wilson foi o gênio por trás dos Beach Boys, um quinteto californiano nascido no início da década de 1960 e que começou gravando rocks ingênuos sobre carros, garotas e surfe. Mas ele logo cansou da simplicidade daquelas canções e pôs todo o seu talento a serviço da criação do que chamava de “sinfonias adolescentes para Deus” —músicas complexas e de arranjos intricados, gravadas com orquestras e que elevavam a música pop a um nível de sofisticação musical nunca visto.
Em 1962, aos 20 anos, Wilson e os Beach Boys assinaram com a gravadora Capitol, e ele se tornou o primeiro astro pop a compor, fazer os arranjos, produzir e gravar suas próprias músicas. Já era um músico completo e assustava experientes instrumentistas de estúdio com seu conhecimento e talento musical.
Brian Wilson era um gênio, mas um gênio atormentado. As surras que levara do pai, Murry, um sádico músico frustrado que descontava sua raiva espancando Brian e os irmãos menores, Carl e Dennis, haviam deixado o músico surdo do ouvido direito.
O primogênito sempre teve graves problemas psicológicos e, em 1964, depois de compor, fazer os arranjos e produzir grande parte dos nove álbuns em três anos, sofreu um surto psicótico durante um voo numa excursão da banda, que decretou o fim de sua carreira nos palcos com os Beach Boys. A partir dali, a banda faria shows pelo mundo, enquanto Wilson ficaria na Califórnia, compondo e gravando as músicas dos discos.
Do outro lado do Atlântico, no Reino Unido, Paul McCartney e John Lennon, dos Beatles, tornaram-se os rivais artísticos mais temidos e respeitados por Wilson. Cada vez que um deles vinha com uma música genial e inovadora, o outro contra-atacava com algo ainda mais inesperado.
Em dezembro de 1965, os Beatles lançaram o LP “Rubber Soul”, um marco do experimentalismo psicodélico e um disco que ajudava a inaugurar o conceito de “long play de rock”, um álbum que não era apenas uma coleção de compactos, mas um trabalho autoral, em que cada música complementava a outra e a ordem das canções contava uma história.
Brian Wilson ouviu “Rubber Soul” e ficou tão atordoado que, na manhã seguinte, sentou ao piano e começou a compor “God Only Knows”. Em maio de 1966, saía o LP “Pet Sounds”, dos Beach Boys. Nunca o pop soara tão experimental e sublime.
Wilson inovou as técnicas de estúdio, usou instrumentos eruditos —harpas, violinos— e criou músicas que fugiam do padrão simplório da época, limitado a refrãos pegajosos e letras banais. Várias faixas de “Pet Sounds” não tinham refrão e exibiam mudanças rítmicas totalmente inovadoras, além de arranjos orquestrais que valeram a Wilson o apelido de “bebê Mozart”.
McCartney ouviu “Pet Sounds” e, em resposta, compôs “Here, There and Everywhere”. O beatle se desmanchou em elogios ao “rival” e disse que “God Only Knows” era a música mais linda de todos os tempos.
Brian Wilson queria seguir “Pet Sounds” com outro disco ainda mais experimental, “Smile”, mas sua fragilidade psicológica não permitiu. Boa parte do LP foi gravada, mas ele chegou a sabotar o próprio trabalho e proibir sua veiculação. Isso só seria resolvido em 2004, quando ele decidiu finalizar e lançar o trabalho.
Quando um incêndio destruiu quarteirões inteiros de Los Angeles, Wilson culpou a música “Fire” e supostamente queimou várias fitas das gravações. As excentricidades só não conseguiam macular a beleza de suas músicas —o maestro Leonard Bernstein ouviu “Surf’s Up” e disse ser “a peça mais brilhante da música contemporânea”.
“Só Deus sabe o que eu seria sem você”, diz a letra de “God Only Knows”, uma das muitas obras-primas da música pop compostas por Brian Wilson —esta, em parceria com Tony Asher. E não dá para dimensionar o que nós seríamos sem Brian Wilson e suas sinfonias adolescentes para Deus.
“Godspeed”, Brian Wilson!