Enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está sendo julgado na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), a terceira e última instância do Judiciário brasileiro, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi, em 2017, sentenciado em primeira instância por acusações da Operação Lava Jato. A diferença entre os dois casos, julgados em diferentes graus da justiça, está na mudança das regras do foro privilegiado.
O foro por prerrogativa de função é um mecanismo, previsto na Constituição, que estabelece que presidentes e vice-presidentes da República, deputados, senadores, ministros e demais autoridades públicas que cometerem crimes usando a função pública sejam julgados no STF.
Lula foi condenado em julho de 2017 a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo então juiz Sergio Moro — hoje senador —, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) e responsável pelos processos da Lava Jato na região à época.
A condenação foi confirmada pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em janeiro de 2018. Em abril do mesmo ano, o STF negou habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente. Assim, Moro decretou sua prisão e Lula começou a cumprir a pena em uma sala reservada na sede da PF em Curitiba.
Em abril de 2019, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a condenação. Sete meses depois, em novembro, Lula foi solto por determinação do juiz Danilo Pereira Júnior, titular da 12ª Vara Federal de Curitiba. A manifestação teve como base uma decisão do Supremo que reviu a jurisprudência que permitia prisão de réus após condenação em segunda instância, ainda com recursos cabíveis antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Mais tarde, Moro foi declarado parcial para julgar o caso, o que levou à anulação das provas colhidas contra Lula, durante o período de atuação do ex-juiz. Além disso, as acusações contra Lula eram baseadas, em sua maioria, em delações premiadas que caíram por terra.
Na época da Lava Jato, o foro privilegiado era restrito apenas para políticos em exercício de mandato, deixando de valer quando a autoridade saía do cargo. Lula havia encerrado seu segundo mandato como presidente em 2010.
Mudança da regra
Em 2018, com o argumento de reduzir o volume de processos na Corte, os ministros decidiram que deveriam tramitar no Supremo apenas ações judiciais de políticos que supostamente tivessem cometido crimes no exercício do mandato e relacionados à função. A regra estabelecia que, ao fim do mandato, as ações dos políticos deveriam ir para instâncias inferiores.
Em março deste ano, porém, o Supremo decidiu ampliar o foro privilegiado para além do período de exercício do cargo. A decisão permite que as investigações de autoridades que cometeram crimes usando a função pública continuem dentro da Corte, mesmo que tenham deixado o mandato.
O caso de Bolsonaro, acusado de liderar uma suposta trama golpista que buscava reverter o resultado das eleições de 2022, é justamente esse. As investigações apontam para ações realizadas durante o período em que Bolsonaro esteve à frente da presidência da República.
O advogado e cientista político Nauê Bernardo Azevedo explica o que significa, para o réu, o julgamento em última instância.
“Ser julgado em única e última instância pelo STF representa, ao mesmo tempo, um julgamento mais concentrado e com mais capacidade de se livrar de influências e ingerências externas, mas também um julgamento que não prevê recurso para que uma próxima instância revise a decisão”.
O especialista destaca, no entanto, que, mesmo que a decisão seja formada pelo próprio Supremo e que não caiba recurso, “existem vias abertas dentro do próprio tribunal para uma análise futura sobre o caso, o que pode ocasionar revisões e melhoras da situação do condenado”.
Julgamento no STF
O julgamento de Jair Bolsonaro e sete aliados no STF começou na terça-feira (2/9) e será retomado na próxima terça (9/9), com o início do voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, na ação penal que investiga a suposta tentativa de golpe.
Em dois dias, os ministros da Primeira Turma ouviram as sustentações orais das defesas dos oito réus, que alegaram inocência e questionaram as provas colhidas pela Polícia Federal (PF), além da atuação de Moraes ao longo da ação penal. Todos pediram absolvição, enquanto a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu a condenação de todos os envolvidos, conforme já exposto nas alegações finais.
Conforme apurou o Metrópoles, a chance de haver pedido de vista na ação penal é remota, especialmente por parte do ministro Luiz Fux que, em outras ocasiões, divergiu de Moraes em pontos do processo — sobretudo, em relação às versões da delação de Mauro Cid, foco central das defesas nos últimos dois dias.
Veja porque Bolsonaro é julgado por uma Turma do STF, e não pelo plenário.