A nova decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes não proíbe Jair Bolsonaro (PL) de conceder entrevistas. O teor e o modo de divulgá-las, contudo, podem resultar na prisão preventiva do ex-presidente – antes mesmo do julgamento sobre a tentativa de golpe de Estado.
Na semana passada, Moraes impôs a Bolsonaro uma série de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de utilizar redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros.
A decisão original recebeu um complemento na última segunda-feira 21, quando Moraes ressaltou que o veto inclui transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas nas redes de terceiros, “não podendo o investigado se valer desses meios para burlar a medida”.
O novo despacho veio poucas horas após Bolsonaro visitar o Congresso Nacional, exibir publicamente sua tornozeleira e fazer um discurso — posteriormente disseminado em plataformas digitais. Em resposta, Moraes exigiu explicações da defesa sobre possível violação da ordem judicial, sob pena de prisão preventiva.
Os advogados, além de alegarem que não houve desrespeito à ordem, pediram esclarecimentos sobre o alcance da medida cautelar. Estaria Bolsonaro proibido de conceder entrevistas?
A resposta de Moraes chegou nesta quinta-feira, 24. E, embora reafirme que o ex-presidente pode se manifestar publicamente, não dissipa por completo a zona de incerteza. Disse o ministro:
“Em momento algum Jair Messias Bolsonaro foi proibido de conceder entrevistas ou proferir discursos em eventos públicos ou privados, respeitados os horários estabelecidos nas medidas restritivas”.
Moraes anotou, contudo, que não toleraria a utilização de “subterfúgios para a manutenção da prática de atividades criminosas, com a instrumentalização de entrevistas ou discursos públicos como ‘material pré-fabricado’ para posterior postagem nas redes sociais de terceiros previamente coordenados“.
A ressalva remete diretamente a um dos focos centrais dos inquéritos relatados por Moraes nos últimos anos, as chamadas milícias digitais — grupos organizados que, segundo o STF, atentam contra a democracia e disseminam desinformação de forma coordenada.
O argumento é que não seria razoável permitir o uso das redes por milícias digitais e apoiadores de Bolsonaro “previamente coordenados para a divulgação das condutas ilícitas” eventualmente praticadas pelo ex-presidente, por exemplo, em entrevistas.
Na quinta das sete páginas de sua nova decisão, o ministro explica com mais detalhes o que classificaria como descumprimento da medida cautelar sobre as redes:
“Em outras palavras, será considerada burla à proibição (…) a replicação de conteúdo de entrevista ou de discursos públicos ou privados reiterando as mesmas afirmações caracterizadoras das infrações penais que ensejaram a imposição das medidas cautelares, para que, posteriormente, por meio de ‘milícias digitais’, ou mesmo apoiadores políticos, ou ainda, por outros investigados, em patente coordenação, ocorra a divulgação do conteúdo ilícito previamente elaborado especialmente para ampliar a desinformação nas redes sociais”.
Essa prática, acrescentou, constituiria uma “ilícita instrumentalização” de entrevistas ou discursos com o objetivo de “manter o modus operandi das ações ilícitas pelas quais está sendo investigado e teve aplicada as medidas cautelares”.
Esses atos, que motivaram as restrições impostas a Bolsonaro, são enquadrados — em tese — como coação no curso do processo, obstrução de investigação envolvendo organização criminosa e atentado à soberania nacional.
A decisão de Moraes foi motivada por uma representação da Polícia Federal, vinculada ao inquérito que investiga a intentona do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos contra instituições brasileiras.
Uma das principais dúvidas recai sobre a figura dos “terceiros”. Moraes não se refere a pessoas que eventualmente administrassem as contas de Jair Bolsonaro nas redes sociais, mas a quaisquer pessoas que compartilhassem, por exemplo, recortes de uma entrevista do ex-capitão — como Eduardo.
Para Marcelo Válio, especialista em Direito Constitucional e pós-doutor em Direito, o adendo do ministro é uma tentativa de sublinhar que os terceiros não podem praticar, indiretamente, os crimes que motivaram as medidas restritivas sobre Bolsonaro. Ainda assim, contudo, a decisão é de difícil interpretação.
“É uma decisão muito obscura, assim como a análise de um eventual pedido de prisão posterior”, avalia o professor. “É necessária uma elucidação maior para que a essa situação não fique na caracterização subjetiva.”
Para o advogado, embora o conteúdo promovido por Jair e Eduardo Bolsonaro atente, de fato, contra a democracia e a soberania nacional, a resposta do Judiciário precisa ser mais clara e juridicamente objetiva. “Essa decisão deveria ser muito mais precisa e não trazer, uma interpretação extensiva”, conclui. “Isso é muito perigoso”
Até o fim da tarde desta quinta-feira, Jair Bolsonaro ainda não havia se manifestado sobre a possibilidade de conceder novas entrevistas. A cautela se justifica: apesar de não decretar prisão neste momento, o ministro advertiu que “se houver novo descumprimento, a conversão [em prisão preventiva] será imediata”.
Leia a nova decisão de Alexandre de Moraes: