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Os denunciados do núcleo 2 da trama golpista: a partir do alto à esq., em sentido horário, Fernando de Sousa Oliveira, Filipe Martins, Marcelo Câmara, Silvinei Vasques, Mário Fernandes e Marília de Alencar
O interrogatório dos réus do núcleo 2 e 4 da tentativa de golpe de Estado concluído na quinta-feira no STF reforçou alguns dos principais pontos da denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra os denunciados pela trama golpista.
Supremo Tribunal Federal concluiu na quinta-feira os depoimentos dos réus do “núcleo gerencial” e do “núcleo das fake news” da trama golpista.
Vários desses denunciados possuíam cargos de segundo escalão no governo de Jair Bolsonaro (PL) e teriam atuado para dar andamento a iniciativas golpistas para manter o então presidente no poder após as eleições de 2022.
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O núcleo 2, conhecido como “núcleo gerencial”, tem general, policiais e ex-assessor de Bolsonaro.
São eles: o general do Exército Mario Fernandes; o ex-assessor de Assuntos Internacionais Filipe Martins; o ex-assessor presidencial Marcelo Câmara; o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques; a ex-subsecretária da Segurança do Distrito Federal Marília de Alencar; e o ex-secretário-adjunto da Segurança do Distrito Federal Fernando de Sousa Oliveira.
O núcleo 4, chamado “núcleo das fake news”, tem réus do segundo escalão da trama golpista.
Eles são acusados de propagar notícias falsas e fazer ataques virtuais a instituições e autoridades dentro da estratégia golpista para manter Bolsonaro no poder.
PLANO PARA MATAR LULA – O relato mais surpreendente foi do general Mario Fernandes.
Ele admitiu ter produzido o plano “Punhal Verde Amarelo”, que previa os assassinatos de Lula, Alckmin e Moraes, mas disse que o documento era apenas um “pensamento digitalizado” que ele quis imprimir para ler em papel e que não teria mostrado para ninguém.
A PF atestou que o plano foi impresso em uma impressora do Palácio do Planalto. Na época, Fernandes era o número 2 da Secretaria-Geral da Presidência.
O militar afirmou que quis ler plano detalhado em papel para não “forçar a vista” e nega que o tenha levado a alguém.
No dia 9 de novembro de 2022 ele foi para o Palácio do Alvorada 40 minutos após imprimir o plano.
Na época, Bolsonaro estava recluso após ser derrotado por Lula no segundo turno das eleições.
Além da versão apresentada sobre o plano, general e demais réus não negaram mensagens de WhatsApp que a PF recuperou e foram usadas na denúncia. Em mensagem para o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o general disse ter ficado feliz por Bolsonaro ter aceitado seu “assessoramento” e feito um pronunciamento a seus apoiadores no Alvorada em 9 de dezembro de 2022.
Na ocasião, a fala foi a primeira do então presidente após a derrota e trazia mensagens dúbias, como a frase afirmando que “quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês”.
O general também relatou a Cid conversa com Bolsonaro sobre diplomação de Lula.
Em mensagem de WhatsApp para Cid em 8 de dezembro de 2022, Fernandes disse que Bolsonaro lhe havia afirmado que a diplomação do petista no dia 12 daquele mês “não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas na hora eu disse: ‘Pô presidente, a gente já perdeu tantas oportunidades”
Questionado sobre esse diálogo, ele disse que estava preocupado em buscar uma “conversação entre os três Poderes”.
Ao STF, general alegou que seu interesse era garantir a “independência dos Poderes”.
“Eu vejo desde o início que com todas as preocupações que o Executivo tinha, todas as dúvidas que a sociedade brasileira tinha, um país extremamente polarizado, então era normal a preocupação do Executivo federal em buscar, como eu já disse, a conversação, a negociação com os demais Poderes, para fazer executar o principal aspecto do sistema presidencialista brasileiro, que era justamente a independência dos Poderes. Então, o que eu era a favor, e sempre fui, é que o presidente Bolsonaro, dentro das suas atribuições, das suas prerrogativas como chefe do Executivo, ele buscasse soluções para essas dúvidas, buscasse apelar aos demais Poderes para que as respostas fossem efetivamente efetivamente dadas, tanto ao Executivo como a grande parte da sociedade. E foi exatamente isso que eu citei nessa mensagem ao Cid”, disse Mario Fernandes, sobre mensagem a Mauro Cid em 8 de dezembro de 2022.
“PROFESSORA” – o Ex-assessor de Bolsonaro, Marcelo Câmara negou que tenha atuado para monitorar ministro Alexandre de Moraes.
Ele não negou as trocas de mensagens que manteve com Mauro Cid nas quais chegam a compartilhar itinerários do ministro e a tratá-lo pelo codinome “professora”.
Mantido por Bolsonaro em sua equipe após deixar a presidência, Câmara tentou minimizar os diálogos e disse que só compartilhou informações que recebeu sobre o itinerário das autoridades previsto para a cerimônia de diplomação de Lula no TSE naquele ano.
Informações não tinham fontes definidas e eram apenas sobre Moraes.
Segundo Câmara, as conversas com referência a Moraes tratavam de informações sobre a cerimônia de diplomação de Lula, para a qual Bolsonaro havia sido convidado, apesar de ter dito que não compareceria.
o Militar da reserva não soube explicar quais seriam as fontes que ele utilizou para levantar dados sobre o paradeiro de Moraes.
Ele também tentou diminuir importância de informações.
Questionado, não explicou por que ele e Cid só trataram de Moraes e não de outras autoridades que estariam presentes na cerimônia de diplomação de Lula, realizada em dezembro de 2022 no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
DELEGADOS DA PF – Delegados da PF acusados de atuar para direcionar operações de policiamento em 2022 também não negaram trocas de mensagens citadas na denúncia.
Marília Alencar e Fernando de Sousa Oliveira, que atuavam no Ministério da Justiça em 2022, também tentaram minimizar teor de mensagens trocadas por eles em um grupo de Whatsapp chamado “Em off”.
Preocupação com percentuais de votação de Lula em alguns municípios.
Marília e Fernando também discutiram a necessidade de reforçar o policiamento no município de Belford Roxo (RJ) entre o primeiro e o segundo turno.
O prefeito local era aliado do PT. Ambos chamavam Lula de “Nine”.
A delegada chegou a afirmar no WhatsApp que ministro da Justiça não teria sido “isento” em reunião para discutir operação de segurança das eleições 2022.
“Isento porra nenhuma”, “meteu logo um 22”, afirmou a delegada sobre o então ministro Anderson Torres, referindo-se ao número de Bolsonaro na urna eletrônica.
Ontem, ao STF, ela disse não se recordar de ter dito isso no grupo e negou que tivesse ocorrido qualquer direcionamento político em reunião realizada na pasta para discutir as operações de segurança nas eleições 2022.
Marília ainda confirmou ter produzido relatório de inteligência sobre municípios onde Lula e Bolsonaro teriam recebido percentualmente mais votos no primeiro turno de 2022.
Segundo ela, o levantamento envolvia todos os municípios do Brasil e buscava aferir as votações dos dois principais candidatos nos municípios onde eles obtiveram mais de 75% dos votos.
Ainda segundo a delegada, o trabalho de inteligência nunca foi compartilhado com a Polícia Rodoviária Federal, não tinha foco no Nordeste e se destinava ao uso interno da sua própria área.
Na época, ela era diretora de Inteligência da Secretaria de Operações Estruturadas do Ministério da Justiça.
Outro delegado da PF que atuou com ela no Ministério disse que recebeu vários pedidos de operações da PRF no segundo turno das eleições, mas negou todos.
Fernando de Sousa Oliveira negou irregularidades, mas afirmou ao STF que a postura de Torres teria mudado entre o primeiro e o segundo turno e que o ministro queria realizar uma operação conjunta entre a PF e a PRF em paralelo ao esquema de segurança habitual das eleições.
Na denúncia, a PGR aponta que grupo articulou ação de policiamento direcionado a eleitores do Nordeste no segundo turno.
Naquele ano, o TSE chegou a determinar a suspensão de operações de policiamento que foram determinadas para a região, reduto de Lula, diante das denúncias de eleitores de que a PRF estava fazendo várias blitze para dificultar o acesso de eleitores às seções eleitorais.
SOBRINHO DE BARROSO – Réu no núcleo 4, o subtenente do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues admitiu que monitorou um sobrinho do ministro Luís Roberto Barroso.
Ele afirma que Marcelo Bormevet, ex-integrante da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), pediu para averiguar se o sobrinho de Barroso tinha relação com a marca Positivo.
Sem citar nomes, o militar disse que servidores da Abin também usaram o programa de espionagem First Mile de forma ilegal.
“Me colocaram nessa trama golpista porque eu pesquisei uma pessoa do Ibama, que não tem relação nenhuma com o governo […]. Teve servidores dentro da Abin que fizeram uso do First Mile para monitorar o telefone dele. E essas pessoas não estão incluídas no processo do golpe.”
Em seu depoimento horas antes, Bormevet disse que usou apenas um “sistema alternativo” com dados abertos.
“A partir dali, eu poderia, se desse sorte, se a informação fosse verdadeira, encontrar um possível familiar que talvez fosse o sobrinho do senhor ministro Barroso. Era a forma de confirmar, isso é que era o sistema.”