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Os possíveis efeitos da Magnitsky contra Moraes, para além da cantilena bolsonarista – CartaCapital


A decisão do governo de Donald Trump de aplicar a Lei Magnitsky contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes teve sabor de vingança para os bolsonaristas, — afinal, Moraes conduz a ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado, que pode levar Jair Bolsonaro (PL) de vez à cadeia ainda neste ano. Na prática, porém, o alcance da punição permanece incerto.

As sanções previstas incluem o bloqueio de contas e bens nos Estados Unidos — algo que, ao que tudo indica, Moraes não possui. Dias antes, o governo Trump já havia suspendido o visto do ministro. E, segundo revelou a Folha de S.Paulo no dia 20, um cartão de crédito de bandeira americana usado por Moraes foi bloqueado. Em troca, recebeu uma versão da bandeira Elo.

A principal dúvida, no entanto, está nas consequências indiretas. Há risco de que empresas com operações nos Estados Unidos — de bandeiras de cartão a plataformas digitais — se sintam pressionadas a cumprir a sanção. Isso pode atingir até big techs como Alphabet (Google, YouTube e Gmail), Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), além de Amazon e Apple.

Mesmo assim, especialistas consideram improvável que a medida tenha efeito imediato no Brasil. “Os bancos daqui são obrigados a seguir a legislação brasileira, e a Magnitsky não tem validade automática em território nacional”, afirma Nathalia França, professora de Direito Internacional da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Segundo ela, o alcance da lei se limita ao sistema financeiro e às pessoas sob jurisdição dos EUA, esbarrando na soberania de outros países.

“Os efeitos práticos imediatos se limitam, em regra, ao território e ao sistema financeiro dos Estados Unidos, bem como a pessoas e entidades sob aquela jurisdição, mas encontram entrave prático de aplicação na soberania dos demais Estados”, avalia.

A reforçar essa conclusão há uma decisão assinada na última segunda-feira 18 pelo ministro Flávio Dino, a fim de afastar a validade imediata no Brasil de determinações judiciais, leis, decretos e ordens executivas de outros países. Embora não mencione a Magnistsky, é devido a ela que o ministro resolveu se pronunciar.

Também tramita no Supremo uma ação do PT que busca impedir bancos brasileiros de aplicarem os efeitos da sanção a Moraes. O relator é o ministro Cristiano Zanin, que ainda não emitiu uma decisão.

Washington, acusa Moraes de liderar “uma campanha opressiva de censura” e conduzir “julgamentos politizados”, entre eles o de Bolsonaro. A tentativa de Trump de impedir o julgamento do ex-capitão, contudo, não prosperou: a Primeira Turma começa a analisar o caso do ex-presidente em 2 de setembro, sob relatoria do próprio Moraes.

Confira os destaques da entrevista:

CartaCapital: Bancos em operação no Brasil podem manter relações com Moraes? Ele recebe o salário pelo BB, por exemplo…

Nathalia França: Sim. Enquanto a sanção imposta pelos Estados Unidos ao ministro não for reconhecida ou internalizada pelo ordenamento jurídico brasileiro, os bancos que operam no Brasil, ainda que tenham relações com o sistema financeiro estadunidense, continuam obrigados a cumprir a legislação brasileira.

Assim, o Banco do Brasil, sendo uma empresa estatal (sociedade de economia mista), está legalmente vinculado ao pagamento do salário do ministro como ente da Administração Pública Indireta.

O pagamento regular da remuneração decorre dos deveres constitucionais e legais aos quais está submetido o banco, já que no Brasil a instituição financeira só pode deixar de pagar remuneração de agente público em estritas hipóteses legais.

CC: Quais são os efeitos concretos da Magnitsky sobre Moraes no Brasil?

NF: O Global Magnitsky Act, apesar de o nome sugerir aplicação global, é uma legislação estadunidense que prevê efeitos extraterritoriais, como tantas outras, a exemplo do Foreign Corrupt Practices Act, mas que não são — nem poderiam ser — universais.

Isso significa que seus efeitos práticos imediatos se limitam, em regra, ao território e ao sistema financeiro dos Estados Unidos, bem como a pessoas e entidades sob aquela jurisdição, já que descreve sanções como bloqueio de transações bancárias e propriedades apenas se estiverem nos Estados Unidos, mas encontram entrave prático de aplicação na soberania dos demais Estados.

No Brasil, eventual sanção não possui efeito automático. Para que produzisse efeitos jurídicos internos, seria necessário um processo de internalização ou adesão voluntária por parte do Estado brasileiro, respeitadas as condicionantes impostas pelo ordenamento jurídico, o que não ocorreu.

Sequer se trata de uma sentença judicial estrangeira, cuja possibilidade de homologação seria analisada pelo Superior Tribunal de Justiça, mas apenas de um ato político decisório do presidente dos Estados Unidos, baseado em “informações confiáveis” e não provas (submetidas a contraditório e ampla defesa).

Além disso, determina o art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que “as leis, os atos e as sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.

Ou seja, o sancionamento de agente público brasileiro sem fundamentação idônea, em razão de sua atividade jurisdicional na Corte Constitucional, pode ser interpretada como ofensa à soberania nacional ou à ordem pública. Assim, seus efeitos concretos no Brasil são, ao menos por ora, mais políticos e simbólicos do que jurídicos.

CC: A decisão de Dino muda na prática o cenário sobre Moraes?

NF: A manifestação do ministro Flávio Dino na ADPF 1178, no sentido de que as sanções impostas por sentença estrangeira apenas têm validade no território brasileiro se internalizadas pelo País após crivo legal, apenas repete e reforça os arts. 15 e 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo os quais apenas será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro que reúna os requisitos de a) haver sido proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e e) ter sido homologada pelo STJ, além de não poder violar soberania nacional, ordem pública e bons costumes.

O caso não diz respeito ao que se observa com o ministro Alexandre de Moraes, pois não há sentença estrangeira em seu desfavor, mas há correlação com a afirmação da soberania brasileira, que se dá pela norma jurídica, de que não terão validade no território brasileiro quaisquer decisões, políticas ou judiciais, exceto por autorização expressa.

Isso reforça a soberania jurídica nacional e a competência exclusiva do Estado brasileiro para regular a atuação de seus agentes públicos.

CC: Os bancos em operação no Brasil podem ser punidos, portanto, se aplicarem as sanções contra Moraes?

NF: É possível. Se uma instituição financeira que atua no Brasil decidir, por iniciativa própria, aplicar sanções estrangeiras que não foram formalmente reconhecidas pelo Estado brasileiro, agirá em contrariedade ao ordenamento pátrio.

Assim, poderá ser responsabilizada por prática de discriminação indevida, violação de dever contratual, abuso de direito ou desrespeito a garantias constitucionais, especialmente se afetar rendimentos de natureza alimentar ou violar direitos de personalidade. Até mesmo pode ser o caso, para os bancos estatais, de responsabilização do agente por prática de improbidade administrativa.

Ainda que se trate de instituições financeiras estrangeiras, ou seja, bancos privados estrangeiros com atuação no Brasil, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro impõe que não poderão ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira (com destaque para esta última parte).

Há, inclusive, fundamento para atuação de órgãos reguladores do Sistema Financeiro Nacional, como o Banco Central, ou mesmo para judicialização por parte do correntista afetado.

CC: E quais podem ser as consequências se os EUA entenderem que bancos brasileiros ignoram a Magnitsky?

NF: Os Estados Unidos podem, em tese, adotar medidas unilaterais de retaliação econômica ou financeira contra instituições que, embora sediadas no Brasil, mantenham vínculos relevantes com o sistema estadunidense.

Isso pode incluir restrições de acesso ao mercado financeiro dos EUA, como compensação em dólares, bloqueio de ativos que se encontram no território americano, inclusão das instituições em listas de vigilância. Vale ressaltar que essas medidas envolvem custos diplomáticos e, em tempos de normalidade, costumam ser objeto de avaliação extremamente criteriosa e se relacionar com históricos e fortes embargos econômicos por motivos de segurança nacional.

Há como exemplos os precedentes do BNP Paribas da França, que teve imposta contra si uma multa de 8,9 bilhões de dólares e suspensão temporárias das operações de compensação em dólares por processar transações para entidades de Estados embargados pelos EUA — Irã, Sudão e Cuba —, com ocultação da origem por meios fraudulentos; e do Deustsche Bank da Alemanha, cuja multa foi de 258 milhões de dólares, também por realizar transações com Irã, Síria, Líbia, Mianmar e Sudão, entre 1999 e 2006, usando filiais em Londres e Nova York para mascarar a ordem dos clientes.

CC: O STF pode, como reivindica o PT, proibir instituições financeiras de aplicar os efeitos da Magnitsky a Moraes?

NF: O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, pode ser provocado a decidir se a aplicação, por entes privados e públicos, de sanções unilaterais estrangeiras viola direitos fundamentais, o princípio da legalidade ou a soberania nacional, todos previstos na Constituição Federal (arts. 1º, I, 5º e 37).

Isso ocorreu na ADPF 130 e na ADI 3741, em que se concluiu pela limitação da liberdade de expressão e de informação dos meios de comunicação pela honra de pessoas físicas, com possível responsabilidade por dano material, moral ou à imagem.

Se em ação judicial entender-se que há lesão a esses princípios, o Judiciário brasileiro pode determinar a suspensão de efeitos de atos praticados por instituições financeiras que, no Brasil, apliquem restrições sem base legal interna, com posterior invalidação do ato.

Em caso de bancos estatais, integrantes da Administração Indireta, os atos decisórios são tecnicamente atos administrativos, com forte regulação normativa a respeito da legalidade, da finalidade, do motivo, dentre outros.



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