As novas regras do Banco Central sobre o uso obrigatório do Pix Automático no lugar do débito automático têm gerado interpretações equivocadas sobre o futuro dessa forma de pagamento, amplamente usada para pagar contas de condomínio, internet, luz e água – que se mantém disponível para todos e praticamente inalterada.
As novas regras anunciadas pela autoridade monetária, formalizadas pela Resolução CMN nº 5.251 e pela Resolução BCB nº 505 e que passaram a valer na última segunda-feira (13), se aplicam exclusivamente aos débitos automáticos interbancários, ou seja, quando o recebedor dos recursos é uma pessoa jurídica ou entidade que não é a instituição depositária da conta debitada. Em outras palavras, são operações em que o pagador e o recebedor estão em bancos diferentes.
Este não é o caso de um pagamento usando débito automático de uma mensalidade escolar, por exemplo. Nesta situação, para uma escola – ou qualquer empresa – oferecer o débito automático como opção de pagamento, é preciso que a instituição e o responsável pelo aluno – ou o cliente – tenham conta no mesmo banco, ou seja, nesta situação, o débito automático é intrabancário (pagador e recebedor na mesma instituição financeira), e, portanto, não é afetado pelas novas regras.
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“A resolução não se aplica a débitos intrabancários, quando o recebedor e o pagador têm conta no mesmo banco. E o débito automático tradicional é majoritariamente intrabancário”, explica Alex Hoffmann, CEO da PagSeguro e especialista em pagamentos, que classifica a nova regra do BC como “inócua” pensando no seu impacto no dia a dia da população.
“No dia 14 de outubro, um dia depois, falei com um grande banco e que me confirmou que a resolução ‘não mudou nada’ no débito automático e que havia acabado de celebrar um convênio novo de débito automático com uma outras grande prestadora de serviço”, contou Hoffmann.
Afinal, o que é um pagamento interbancário?
Na definição técnica o débito automático interbancário é um débito automático que ocorre quando o pagador e recebedor têm contas em bancos diferentes.
“O débito automático interbancário basicamente é aquele débito de uma obrigação que tenho em um determinado banco e quero que as parcelas desta obrigação sejam debitada em outra instituição que tenho conta”, explicou a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) ao InfoMoney.
Mas em qual situação esse tipo de transação ocorre?
Em resumo, segundo a Febraban, são exemplos desse tipo de transação: “um empréstimo pessoal que você tirou no banco A e solicita que seja debitado no banco B ou um financiamento de um bem, da mesma forma”.
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“O pagamento interbancário ocorre entre duas instituições. Por exemplo, você contrai uma dívida com o banco e autoriza a instituição a tirar dinheiro de outra conta que você tenha em caso de falta de pagamento. Imagine que, caso haja inadimplência, o Banco X contate o Banco Y dizendo ‘Eu tenho essa autorização, então debita R$ 50 mil desse cara e transfere para mim, porque ele está devendo aqui’”, detalha Hoffmann.
Mas isso não é exatamente comum. Na verdade, segundo o especialista, é uma raridade. “Conversei com contatos de dentro de bancos que falaram que sabem que essa possibilidade existe, de um banco pedir para debitar valor de outro banco a partir de um consentimento prévio do dono dos fundos, mas que nunca viram sendo usado, ou seja, é raro”, complementou.
A reportagem questionou a Febraban sobre a frequência desse tipo de operação e a entidade respondeu que não tem essa estatística.
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Substituição total do débito automático causaria ruptura
Segundo Hoffmann, derrubar o débito automático e dar um prazo tão pequeno para o setor financeiro se adequar seria extremamente complexo e causaria rupturas. “Pix Automático e débito automático são sistemas totalmente diferentes, inclusive do ponto de vista técnico. Seria um transtorno gigante para todas as empresas que têm débito automático promover uma substituição tão abrupta”.
Via de regra, no Pix Automático, uma empresa (pessoa jurídica) oferece a modalidade como uma das opções de pagamento, definindo os valores (fixo ou variável) e datas, conforme o combinado. Para o pagamento ser programado é preciso que o usuário aceite a cobrança no app do banco – o que representa um ponto de fricção na visão de algumas prestadoras de serviço.
“As empresas que prestam serviços públicos já falaram não pretendem promover a mudança dos recebimentos do débito automático para o Pix Automático. E faz sentido. Elas recebem todo mês um valor automaticamente. Imagine elas cancelando esse recebimento para mandar uma notificação por push no app do banco do cliente, por exemplo, pedindo para ele autorizar a cobrança via Pix Automático. Quantas pessoas vão aceitar? Perderiam muitos consentimentos nessa migração”, analisa Hoffmann.
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Contexto
No dia 23 de setembro a Febraban, que regula a modalidade, passou a exigir que bancos notificassem clientes sobre débitos automáticos interbancários, via aplicativo, mensagem de texto (SMS) ou qualquer outro mecanismo de informação, com antecedência.
Dois dias depois, em 25 de setembro, o Banco Central emitiu a normativa exigindo que pagamentos via débito automático interbancários fossem feitos exclusivamente via Pix, mas com um enfoque: pessoas jurídicas ou entidades não autorizada a funcionar pela autarquia.
A reportagem questionou o BC se as novas regras do débito automático interbancário têm relação com a divulgação da Febraban e se estão englobadas na série de esforços que o banco vem fazendo para mitigar brechas de segurança no setor financeiro, mas não obteve resposta até a publicação. O espaço segue aberto.





