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O sindicalista Antonio Wagner, do Sinpaig, demonstra receio que nova lei dos consignados “abra a porta ainda mais para a voracidade do sistema financeiro”
A voracidade do sistema financeiro e seus agentes, aliados àfragilidade do funcionalismo público, que se encontra com os salários achatados e com perdas que superam os 50%, somados a leniência do Governo do Estado, que deixou tudo correr solto e sem regras definidas as operações de empréstimos, cartão de crédito e cartão de benefício, criou o atual quadro de caos financeiro e superendividamento, que supera a cada dos R$ 12 bilhões.
Segundo a própria Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), do total de mais de 104 mil servidores do Poder Executivo, mais de 62 mil ou 60% tem um até cinco empréstimos nestas três modalidades.
A consignação é o empréstimo mediante desconto em folha de pagamento, com zero chance de não recebimento por parte dos agentes financeiros em relação aos tomadores).
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Para piorar a situação, o presidente do Sindicato dos Profissionais da Área Instrumental do Governo do Estado (Sinpaig), Antônio Wagner, mesmo admitindo que foi um avanço a aprovação da Lei 12.933/2025, que estabeleceu regras mais rigorosas para os empréstimos e cartões com margem consignável, demonstrou receio que ela “abra a porta ainda mais para a voracidade do sistema financeiro”.
Nos bastidores, já se ouve dizer que, diante da pressão do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE/MT), comandado pelo presidente, Sérgio Ricardo, e demais conselheiros e de parte dos deputados estaduais, somados ao trabalho jurídico da AFG & Taques Advogados Associados, algumas empresas consignatárias ofereceram seus créditos para instituições de renome nacional, ou seja, querem fazer a portabilidade das operações contratadas.
A AFG é do ex-procurador da República, ex-senador e ex-governador Pedro Taques (sem partido), que ajudou a conseguir a instauração de dois inquéritos, um criminal no Ministério Público Federal, que está sendo apurado pela Polícia Federal, e outro civil, na Promotoria de Defesa da Cidadania do Consumidor, no Ministério Público de Mato Grosso,
Os representantes dos servidores públicos já analisam a possibilidade de uma nova ação judicial para impedir a venda desses, créditos enquanto todas elas não forem auditadas e regularizadas, “pois, se foram créditos obtidos através de subterfúgios, meios ilícitos e, até mesmo, pressionando o servidor, ele carecem de, primeiro, ser regularizados para depois de saneados”.
Então, se o banco ou a fintech desejar fazer a portabilidade e contando com a aquiescência do servidor, Wagner disse que não vislumbra dificuldades, disse Antônio Wagner, ressaltando que “vender como está um operação cheia de irregularidades é tentar burlar novamente a lei”.
Apesar da nova do Governo do Estado permitir a portabilidade, o presidente do Tribunal de Contas, Sérgio Ricardo, vê essa possibilidade como saída, pois “se retira do negócio a empresa irregular e se passam os créditos para uma grande instituição financeira que vai poder renegociar as dívidas de forma mais justa e correta”.
Para ele, uma grande instituição financeira ou um pool delas, assumindo as dívidas que somam mais de R$ 12 bilhões – portanto, um bom negócio e com boas chances de renegociar e recuperar os valores – irá permitir que quem está comprando as operações dos servidores do Poder Executivo o façam com um grande deságio que permitirá, então, se chamar servidor, por servidor, para se sentar e negociar com valores e juros reais, sem regras abusivas.
“Se atender ao que o Tribunal de Contas defende, somado ao interesse dos servidores, pode se ter ai uma solução interessante e de rápida definição. Mas alerto de pronto: novos parceiros não irão apagar os erros e abusos do passado; Portanto, mesmo vendendo as dividas, as empresas serão responsabilizadas e, até mesmo proibidas, de negociar com o Governo do Estado ou com seus servidores”, explicou.
O economista Vivaldo Lopes, que tem larga experiência no Poder Público e que definiu as regras de operações consignadas, tanto na Prefeitura de Cuiabá como no Governo do Estado, lembrou que, havendo o cumprimento de um mínimo de regras, dificilmente o quadro chegaria onde chegou.
Ele alertou que as empresas consignatárias criam subterfúgios para atender às demandas daqueles que têm capacidade de endividamento ou que estão com sua capacidade superada para que possam fazer novas operações, o que se transforma em uma bola de neve.
“A melhor regra é a aplicada pelo INSS para aposentados e pensionistas e que chega a 40% do vencimento, sendo 35% para empréstimo e 5% para cartões de crédito e de benefício. De acordo com a lei, dos 40% de margem consignada, 5% devem ser destinados para saque ou pagamento da fatura do cartão de crédito”, disse ele,, lembrando que, conforme está no portal da Câmara dos Deputados, fazendo menção a Lei 14.131/21 que elevou o percentual de comprometimento da margem consignável para 40%, mas assim subdividido.
Vivaldo Lopes compartilha que, na esfera financeira, é comum este tipo de operação, ou seja, um banco ou um pool de bancos se interessa por uma dívida como a dos consignados do Poder Executivo, que está em torno de R$ 12 bilhões, e compra estes créditos das empresas financeiras ou de outros bancos e busca receber os valores, pois ele compra com deságio ou desconto considerável para uma dívida deste tamanho e alonga o perfil dela para ter o máximo de recebimento.
Pedro Taques, que defende seis sindicatos, e a Federação dos Servidores Públicos estão analisando possível medida judicial para resguardar o servidor público que foi ludibriado.
“Os servidores foram roubados. Então, a primeira coisa a se fazer, e que conseguimos em parte, é suspender os descontos, mas essa medida é temporária. Agora, surgiu uma nova lei, para ser cumprida. Mas, daqui por diante, os crimes do passado e a falta de responsabilidade de quem apresentou as empresas financeiras para o servidor, no caso o Governo do Estado ,por meio da Secretaria de Planejamento e Gestão, tem que ser responsabilizado, punidos e promover o ressarcimento do servidor”, disse Pedro Taques.
Para ele, as investigações da Polícia Federal vão chegar longe – em outros Estados e na vinculação de pessoas ligadas ao Governo do Estado, que assim como as empresas, “se locupletou da situação financeira vulnerável dos servidor público, como um todo”
Taques ainda lembrou que existia uma lei promulgada no final de 2019 pelos deputados estaduais, diante da omissão do governador Mauro Mendes, que, em 2020, ingressou no Tribunal de Justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), acolhida pelos desembargadores do Órgão Especial, com o frágil e empobrecido argumento de “vicio de iniciativa”. Os seja, como a Lei 11.033/2019 foi apresentada após a conclusão da CPI dos Consignados, ocorrida entre 2018 e 2019, ela deveria ter sido apresentada pelo Executivo, e não pelo Legislativo.
“Foram exatamente cinco anos, desde 2020, para que o servidor público se tornasse superendividado e, a cada dia mais, dependente do Governo do Estado. Portanto, acabou aceitando qualquer coisa diante do salário achatado e sem correção, apelando para empréstimos e gastos com cartão de forma descontrolada”, completou Taques.
Já para o presidente do Sinpaig, se faz necessário ampliar, cada vez mais, as discussões e os instrumentos de controle, pois, do jeito como as coisas estão se demonstrando, com novidades e mais novidades, serão necessários mais de 10 anos para que os servidores resgatem seus compromisso. Ou seja, vão levar mais de uma década para estarem com seus salários integrais.
“Eu temo pelo futuro de milhares de servidores públicos do Poder Executivo. Ainda mais, após a aprovação, pelos deputados estaduais, da Lei 12.933/2025, que estabeleceu novas regras para operações consignadas, mas deixou sem restrição a possibilidade de as atuais empresas consignatárias e bancos revenderem os créditos que têm perante os servidores públicos, mesmo sem saber o montante devido e se as operações não foram feitas com regras abusivas e vantagens indevidas, como os juros cobrados pelo próprio Governo do Estado, que deveria ser pago pelas empresas, mas são descontados ou somado às dividas dos funcionalismo”, disse o presidente do Sinpaig, Antônio Wagner.
Além dos juros cobrados nas operações de empréstimos ou de cartões de crédito e de benefício, que deveriam ser os mínimos possíveis, por não existir risco do não recebimento e até de atraso nos repasses, já que o Governo do Estado paga o salário no mês trabalhado e dentro do que estabelece a legislação, nos prazos subsequentes já repassa os valores descontados da folha de pagamento, este mesmo Governo cobra uma taxa de 7,8%, o que representa mais um pesado fardo.
Este percentual, que vai para o Governo, que cobrava de cada operação financeira 7,8%, tinha destinação dividida, sendo 4,8% para a Desenvolve MT e 3% para o Fundo de Desenvolvimento do Sistema de Pessoal (Fundesp).
Segundo a nova lei, em seu art. 8º, a aplicação desta Lei deve respeitar os atos jurídicos já praticados por entidades credenciadas até o seu completo exaurimento, ficando vedada a renovação de:
I – operações de cartão de crédito e cartão benefício de consignação e outros congêneres, independente da natureza da consignatária;
II – qualquer operação com entidades que não estejam entre as instituições descritas no art. 4º. desta Lei e que não estejam credenciadas.
§ 1º As proibições constantes nos incisos do caput deste artigo não se aplicam à contratação de operação de crédito consignado que objetive a quitação das operações de débitos provenientes de cartão de crédito ou com cartão de benefício consignado anteriormente firmadas, desde que realizadas com instituições credenciadas de acordo com o disposto nesta Lei.
§ 2º O disposto neste artigo não impede a suspensão, a retenção, o descredenciamento ou a imposição de qualquer sanção administrativa à instituição que tenha atuado irregularmente em casos de não comprovação da regularidade da transação em revisões administrativas ou apurações realizadas pelo órgão gerenciador das consignações, de controle interno ou de proteção ao consumidor.
“As amarrações da nova lei são importantes, mas ela não preserva o servidor, pois deveria corrigir as distorções já detectadas para depois permitir uma venda de ativos e novas renegociações e novas operações consignadas, desde que saneadas aquelas irregulares e respeitados os novos percentuais legais”, disse Antônio Wagner.
A deputada Janaina Riva (MDB), que participa da Comissão Parlamentar que discute a reposição das perdas salariais dos servidores públicos, disse que as perdas salariais são gigantescas e, a cada ano, se acentuam mais e mais, já que o Governo do Estado se limita apenas a repor a inflação do período de 12 meses do ano anterior, o que provocou o exaurimento das finanças dos servidores, obrigando-os a se socorrerem em empréstimos consignados.
“A Audiência Pública do 3º Quadrimestre de 2024, portanto, dos 12 meses do ano passado, coloca as despesas com o salário do funcionalismo público em 37,78% no Poder Público, mas subestimando as receitas que crescem muito mais que as despesas. Portanto, existe uma margem considerável para se corrigir os salários dos servidores públicos que estão defasados e muito”, disse Janaina, lembrando que o Executivo pode consumir até 49% de suas Receitas Correntes Líquidas com salário e não chega nem nos 40%