O governo Lula tem em mãos um levantamento detalhado sobre resultados e medidas tomadas por órgãos federais para refutar as acusações feitas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que o Brasil falha em ações de combate à corrupção, favorece a pirataria e ignora a proteção à propriedade intelectual.
A Folha teve acesso a relatórios que tratam desses temas enviados ao Itamaraty pelo MJ (Ministério da Justiça), Polícia Federal e ANDP (Autoridade Nacional de Proteção de Dados). O objetivo é estruturar uma resposta ao governo americano, no âmbito da investigação aberta pelo USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA).
A investigação se baseia na Lei de Comércio de 1974, que autoriza o governo americano a adotar medidas unilaterais —como tarifas adicionais ou restrições comerciais— contra países que adotem práticas comerciais que eles considerem injustas ou discriminatórias.
Ao comentar a acusação dos EUA, de que “as evidências sugerem que os esforços do Brasil para combater a corrupção enfraqueceram consideravelmente em algumas áreas”, o MJ diz que “tais apontamentos não correspondem à realidade” e que a pasta mantém colaboração constante com órgãos internacionais.
O ministério menciona que, desde 2020, tramitaram quase 6.200 solicitações de cooperação jurídica internacional a pedido de autoridades brasileiras, sendo que desse total, mais de 430 estão relacionados à lavagem de ativos, e 182 relacionam-se a casos específicos de corrupção.
“Pela simples observação dos números, nota-se um elevado número de casos relacionados ao combate à corrupção, em nível internacional, haja vista que se tratam de cooperação jurídica internacional de casos ocorridos no Brasil, mas que possuem repercussão transnacional, seja pela identificação de ativos ocultos em outros países, seja pela presença de pessoas de interesse da investigação por lá”, afirma.
A pasta também cita que, somente em 2024, foram repatriados quase US$ 47 milhões em casos relacionados a corrupção, mediante a cooperação jurídica, e que, desde 2020, foram bloqueados quase US$ 150 milhões em ativos relacionados, em sua maior parte, à lavagem de dinheiro.
“Como pudemos observar, as alegações de que estaria ocorrendo uma diminuição no compromisso do Brasil no combate à corrupção não correspondem à realidade”, diz.
A PF se manifestou sobre três acusações que, de alguma forma, envolvem a sua atuação: aplicação deficiente de leis anticorrupção, proteção inadequada da propriedade intelectual e desmatamento ilegal.
Em seu relato, a corporação chama a atenção para a cooperação ativa que mantém com agências americanas, como o FBI (Federal Bureau of Investigation) e a HSI (Homeland Security Investigations). A PF também reage à alegação de que o Brasil facilita a entrada de produtos falsificados, ao mencionar que, em 2024, deflagrou 185 operações de combate ao contrabando e descaminho, com 947 mandados de busca e 66 prisões cautelares.
Em relação a produtos de interesse comercial dos Estados Unidos da América, a PF destaca que, nos anos de 2023, 2024 e 2025, “iniciou mais de mil investigações relacionadas a crimes de contrabando e descaminho, as quais resultaram na apreensão de aproximadamente 30 mil unidades de aparelhos iPhone, evidenciando o comprometimento institucional da Polícia Federal com o enfrentamento à introdução ilegal de produtos estrangeiros, especialmente que afetam diretamente os interesses comerciais de grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos”.
A polícia também menciona ações de parceria com os EUA para combate ao crime de contrabando envolvendo produtos da Philip Morris e da Altria Group, gigantes americanas que controlam o setor de tabaco e derivados. Em 2024, foram apreendidos 108,9 milhões de maços de cigarros introduzidos ilegalmente no território brasileiro. Caso esses produtos tivessem sido inseridos no mercado formal, estima-se que teriam gerado um impacto econômico de aproximadamente R$ 594 milhões.
“Esses números reafirmam o comprometimento da Polícia Federal com a repressão qualificada ao contrabando, em especial quando envolve produtos de origem estrangeira e interesses de parceiros comerciais estratégicos”, afirma a PF, acrescentando que sua atuação “afeta diretamente a concorrência leal, a arrecadação tributária e os interesses comerciais legítimos dessas corporações norte-americanas”.
Ao comentar a acusação de que o Brasil estaria impondo restrições excessivamente amplas sobre a transferência de dados pessoais para fora do país, inclusive para os EUA, a ANPD afirmou que “esta alegação não encontra respaldo na realidade normativa brasileira” e que a “regulamentação da transferência internacional de dados pessoais no Brasil estabelece sistema equilibrado, flexível e alinhado aos mais elevados padrões internacionais de proteção de dados”.
A investigação instaurada pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA, com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, aponta seis áreas de preocupação com o Brasil: comércio digital e serviços de pagamento eletrônico; tarifas preferenciais; aplicação de leis anticorrupção; proteção da propriedade intelectual; acesso ao mercado de etanol; e desmatamento ilegal.