A Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso negou dois pedidos urgentes apresentados pelo Espólio de Itagiba Carvalho Diniz e pelo Espólio de Sílvio Carvalho Diniz, mantendo válidas as decisões da Vara Única de Querência que preservaram a posse de diversos produtores rurais envolvidos no conflito fundiário da Fazenda Poconé. A Corte reafirmou que não é possível desconstituir a posse de terceiros que ocupam as áreas há décadas sem que eles tenham participado da ação original. A disputa gera suspeitas diante da atuação do advogado Roberto Zampieri, assassinado em 2023, na capital.
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As decisões analisam justamente o alcance da sentença de reintegração de posse de 2007, obtida pelos espólios, e que passou a ser executada de forma mais ampla em 2025, atingindo produtores que estão na região há mais de 20, 30 e até 40 anos, muitos deles com matrículas próprias, títulos de colonização e exploração agrícola contínua.
O Tribunal reconheceu explicitamente que a posse desses produtores é antiga, mansa e produtiva, e que, por isso, a execução da sentença não pode ser estendida a eles sem prévio contraditório. “A execução não pode atingir terceiros estranhos ao processo sob pena de ofensa direta às garantias do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, com risco concreto de esbulho possessório de terceiros de boa-fé”, aponta a decisão.
Ao examinar os oito Embargos de Terceiro movidos por famílias afetadas, a relatora destacou que os produtores possuem histórico de ocupação consolidado. Segundo o acórdão, os embargantes aparentam exercer posse “mansa, contínua, produtiva e de boa-fé, sendo titulares de matrículas regularmente lançadas no cartório local”.
De acordo com o laudo pericial citado na decisão, há sobreposição entre os limites da Fazenda Poconé e diversas posses consolidadas ao longo de décadas, abrangendo aproximadamente 2.455 hectares. A Corte avaliou que esse cenário reforça a necessidade de instrução probatória antes de qualquer medida de retirada.
Para a relatora, determinar a desocupação imediata das áreas seria inadequado neste momento, já que poderia provocar “risco de dano irreversível para os embargantes e para a comunidade agrícola envolvida”.
As decisões desta semana também se somam a um histórico mais amplo do litígio envolvendo a família Diniz. A disputa fundiária da Fazenda Poconé passou, ao longo dos anos, por diferentes fases e personagens, entre eles Roberto Zampieri, figura ligada a outros conflitos agrários em Mato Grosso e investigado na Operação Sisamnes e que foi contratado para conseguir decisões favoráveis para fazer a desocupação.
Com as decisões do TJMT, a execução da sentença de 2007 permanece limitada às partes que integraram a ação original, enquanto os produtores seguem na área até que o mérito dos embargos e da demarcatória seja definitivamente julgado.
DISPUTA SUSPEITA
A disputa entre o espólio Diniz e produtores de Querência teve as ações conduzidas por Roberto Zampieri. Documentos mostram que o escritório de Zampieri atuou diretamente na formulação das ações que deram origem às atuais ordens de desocupação, com um contrato firmado com parte da família Diniz, onde receberia parte dos honorários em terras.
De acordo com o contrato, os Zampieri teriam direito a 1.300 hectares de área rural, a serem retirados de uma fração de 3.617,22 hectares pertencente a Artur Diniz e ao espólio de Sílvio Diniz. O valor dessa porção foi fixado em R$ 18,85 milhões, e o contrato reconhece a obrigação como dívida líquida em caso de inadimplemento, descumprimento ou revogação do mandato.





