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Veja a íntegra da decisão do ministro Gilmar Mendes


Nelson Jr./SCO/STF

O ministro Gilmar Mendes, do STF, que foi um dos alvos de manifestações de bolsonaristas radiciais, em NY

Segue a íntegra da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes 

Brasília, 8 de agosto de 2025.

HABEAS CORPUS 259.850 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

PACTE.(S) : J.G.R.V. IMPTE.(S) : PEDRO HENRIQUE FERREIRA MARQUES COATOR(A/S)(ES) :

RELATOR DA SD Nº 864 E PET 18.070 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de J.G.R.V. contra ato do eminente Ministro Ricardo Cueva, relator da Sindicância 864, que, ao ratificar decisão do Juízo de Garantias de Cuiabá/MT, manteve a prisão preventiva do paciente. Narra o impetrante que o paciente e outros investigados foram presos em 30 de julho de 2025, durante a deflagração da Operação Sepulcro Caiado. A prisão havia sido requerida ao Juízo de primeira instância pelo titular da Delegacia Especializada em Estelionatos de Cuiabá/MT, em representação que atribuía aos investigados a formação de associação criminosa para a prática de estelionato, falsidade ideológica, uso de documentos falsos, peculato e lavagem de capitais. Segundo a Polícia Civil, o paciente e seus familiares usavam empresas a eles vinculadas para ajuizar execuções cíveis na Justiça Estadual de Mato Grosso contra pessoas que lhes deviam dinheiro. As execuções, porém, não indicavam o valor correto da dívida; apontavam valores artificiais, muito superiores ao financiamento recebido. Em seguida, advogados supostamente consorciados com o paciente – e que também são investigados no inquérito policial – apresentavam procurações falsas em nome dos devedores, celebravam acordos fictícios com o exequente e simulavam o pagamento da dívida por meio da juntada de comprovantes adulterados. Os juízes, induzidos a erro por esses documentos, solicitavam que o setor de expedições do Tribunal expedisse alvarás de levantamento em favor dos estelionatários. O delito, segundo a autoridade policial, contava com envolvimento de servidores do Departamento de Depósitos Judiciais do TJMT, também investigados no inquérito, que fechavam os olhos para inconsistências nas guias de pagamento e oficiavam ao Banco do Brasil para que pagassem os exequentes com recursos da conta única do Tribunal de Justiça. Por entender que estavam preenchidos os requisitos legais, o Juízo de Garantias de Cuiabá decretou a prisão preventiva do paciente, de sua mãe (L.R.R.V) e de seu irmão (A.F.R.V), assim como de outros 8 investigados, entre eles advogados que atuaram nas ações de execução e um servidor do Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Também decretou o sequestro de bens móveis e imóveis dos investigados e a indisponibilidade de seus bens, até o valor de R$ 21 milhões, por meio dos sistemas SISBAJUD e RENAJUD e da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB.

Informa a defesa que, após a realização da audiência de custódia de alguns dos investigados, o Presidente do STJ, Min. Herman Benjamin, oficiou ao Juízo de primeira instância, requisitando a remessa dos autos do inquérito policial para aquele Tribunal (eDOC 3). O ofício se reportava a sindicância aberta no STJ para apurar o caso, a partir de comunicado do Corregedor Nacional de Justiça, Min. Mauro Campbell Marques, de que, durante correição no TJMT, equipe do CNJ havia tomado “ciência de possível envolvimento de pessoa com foro por prerrogativa de função no Superior Tribunal de Justiça” (eDOC 4). No STJ, a Sindicância 864 foi distribuída ao eminente Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, que, em 6.8.25, ratificou as decisões do juízo de origem e manteve a prisão cautelar do paciente e de outros investigados (eDOC 13). Transcrevo a decisão, no que importa:

“O juízo de primeiro grau era competente quando decretou as prisões preventivas em 23/07/2025 (e-STJ fls. 95-174), tendo em vista que a    avocação do processo pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça        ocorreu em 29/07/2025 (eSTJ fls. 12/13 dos autos da SD n° 864/DF). Assim, passa-se à deliberação sobre a manutenção das prisões dos          investigados. No tocante a M.F.P.V.M., W.V.M.M. e J.G.R.V. (ora paciente), devem ser          mantidas as decisões proferidas nas audiências de custódia por seus   próprios fundamentos, inclusive em relação à substituição por prisão        domiciliar da primeira, ressaltando-se que não houve alteração do contexto fático desde a decisão que as decretou. Ademais, a custódia cautelar dos advogados aparentemente envolvidos no          esquema também se justifica pela necessidade de estancar o movimento      de corrosão do sistema de justiça do estado do Mato Grosso, revelado por         esquemas criminosos que vêm se instalando perante e dentro do Poder       Judiciário local. A esse respeito, rememore-se a investigação que         atualmente está a cargo do Supremo Tribunal Federal, iniciada a partir do        notório assassinato do advogado Roberto Zampieri, ocorrido em   05/12/2023, que resultou, dentre outras medidas, no afastamento de     magistrados do TJ/MT, com destaque para a seguinte notícia veiculada no    sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça em 01/08/2024: ‘A Corregedoria Nacional de Justiça determinou, nesta quinta-feira (1.          º/8), o afastamento cautelar imediato das funções dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho. O Corregedor Nacional, ministro Luis Felipe Salomão, também determinou a instauração de reclamações disciplinares contra os dois magistrados, além da quebra do sigilo bancário e do fiscal dos investigados e de servidores do TJMT, referente aos últimos cinco anos. Há indícios de que os magistrados mantinham amizade íntima com o falecido advogado Roberto Zampieri – o que os tornaria suspeitos para decidir processos patrocinados pelo referido causídico – e recebiam vantagens financeiras indevidas e presentes de elevado valor para julgarem recursos de acordo com os interesses de Zampieri. ‘As investigações acenam para um cenário de graves faltas funcionais e indícios de recebimento de vantagens indevidas’, afirma o Corregedor Nacional de Justiça em sua decisão e requisita das autoridades fiscais e monetárias documentos, sigilosos ou não, imprescindíveis ao esclarecimento dos processos. A Corregedoria Nacional aponta ainda que, ‘em paralelo com a incomum proximidade entre os magistrados e o falecido Roberto Zampieri’, os autos sugerem, ‘efetivamente, a existência de um esquema organizado de venda de decisões judiciais, seja em processos formalmente patrocinados por Zampieri, seja em processos em que o referido causídico não atuou com instrumento constituído, mas apenas como uma espécie de lobista no Tribunal de Justiça de Mato Grosso’ ( h t t p s : / / w w w . c n j . j u s . b r / c o r r e g e d o r i a a f a s t a – d o i s – desembargadores-e-investigara-esquema-organizado-devendade-decisoes-no-tjmt). Além disso, ainda não foi possível identificar a dimensão da empreitada criminosa, conforme ressaltado pela autoridade policial da Delegacia Especializada de Estelionatos de Cuiabá: ‘Impende ratificar que os 17 processos judiciais ora analisados representam apenas a parcela inicial de um esquema criminoso de proporções significativamente maiores, cujo alcance total ainda está sendo dimensionado pela investigação. Os elementos probatórios coligidos indicam fortemente a existência de dezenas, possivelmente centenas de outros processos fraudulentos seguindo idêntico modus operandi, o que pode elevar o prejuízo causado aos cofres públicos a patamares muito superiores aos R$ 11.754.630,99 já confirmados pelo Tribunal de Justiça’ (e-STJ fl. 10). Por essas razões, e considerando os indícios de que os advogados praticaram as condutas principais do esquema delituoso, quais sejam as fraudes nas ações judiciais propostas com documentos falsificados e que foram utilizadas para o levantamento de vultosas quantias depositadas nas contas do TJ/MT, impõe-se a manutenção da prisão preventiva de todos eles, inclusive para desarticular o grupo criminoso. A propósito, destacam-se os seguintes julgados desta Corte de Justiça: (…) Os mesmos fundamentos incidem em relação a J.G.R.V., apontado como o principal articulador da empreitada criminosa, conforme ressaltado pelo juízo de primeiro grau: ‘De acordo com os elementos coligados durante a investigação, as condutas apuradas gravitam em torno de um núcleo centralizado na figura de J.G.R.V., seus familiares e empresas a ele vinculadas, com envolvimento direto de advogados, como (…), sempre com a colaboração de servidores lotados no Poder Judiciário, especialmente o servidor M.M.S.J. Os indícios apontam para um modus operandi estruturado e reiterado, sustentado por aparência de legalidade e uso indevido da atuação profissional para conferir aparência de regularidade às fraudes perpetradas’ (e-STJ fl. 97, grifou-se). Também merece destaque o seguinte trecho da representação formulada pela autoridade policial: ‘J.G.R.V. surge como figura central da organização criminosa, figurando como autor direto em múltiplos processos judiciais fraudulentos. Conforme apurado nas declarações das vítimas, apresentava-se como empresário do ramo de factoring, realizando empréstimos tanto através de pessoa jurídica quanto em nome próprio. As vítimas Luiz Carlos Conceição Júnior, Anderson Soares Leite e Neoly Porfirio de Souza confirmaram ter contraído empréstimos legítimos com o investigado, porém em valores substancialmente inferiores aos posteriormente cobrados judicialmente. O declarante Neoly Porfirio informou ter sido apresentado a J.G.R.V pelo advogado W.V.M., evidenciando a prévia relação entre os investigados. Além de atuar diretamente, J.G. também se utilizou de pessoas jurídicas para o ajuizamento das ações fraudulentas’ (e-STJ fls. 11/12, grifou-se). Ressalte-se que ‘dentre os 17 (dezessete) processos identificados, 13 (treze) possuem como parte autora o investigado J.G.R.V., além de outros 3 processos ajuizados por empresas nas quais ele figura como sócio’ (eSTJ fl. 102). Em relação a A.F.R.V., as investigações apontam que teria sido beneficiado pelas quantias desviadas na qualidade de sócio das empresas que aparecem como credoras nas ações judiciais forjadas, conforme se depreende da decisão do juiz de primeiro grau referindo-se a uma planilha que aponta alguns dos respectivos processos: ‘Pelo detalhamento da planilha acima é possível verificar novos personagens na engrenagem criminosa, notadamente os supostos credores que ajuízam ações de execução lastreadas em dívidas originadas de agiotagem, cujos valores são posteriormente majorados de forma exponencial, culminando em ‘acordos’ judiciais ou extrajudiciais com quitações em parcela única ou em poucas parcelas — apesar da ausência de capacidade econômica aparente por parte dos supostos devedores. Dentre os beneficiários dessas demandas e como sócios das empresas credoras, constam, além de J.G., os investigados L.R.R.V. e A.F.R.V., o que reforça os indícios de que tais entes empresariais são instrumentalizados para fins ilícitos’ (e-STJ fls. 114-115). Mais adiante, menciona-se novamente a participação de A.V. como beneficiário do esquema: ‘Conforme já demonstrado na análise do caso da vítima Luiz Carlos, também aqui há repetição do padrão fraudulento, com ajuizamento de ações de execução baseadas em dívidas inexistentes, acordos simulados e pagamentos inconsistentes, beneficiando sócios das empresas autoras, como L.R.R.V. e A.F.R.V., bem como os advogados (…)’ (e-STJ fl. 117).   Ainda, a decisão de primeiro grau afirma que ‘o investigado A.F.R.V.’ foi ‘apontado como braço operacional de J.G.R.V.’, ressaltando-se que as suas movimentações bancárias ‘destoam da sua capacidade financeira declarada, razão pela qual o COAF pontuou indícios da prática de lavagem de dinheiro’ (e-STJ fl. 121).” (eDOC 13, pp. 4-7)   Alega a defesa que o decreto de prisão preventiva é ilegal, por duas razões. Primeiro, por ter sido expedido por juiz incompetente, que usurpou a competência originária do STJ. Segundo, porque a prisão preventiva não seria adequada para crimes que, conforme atesta a própria polícia, foram praticados até 2023 – a indicar que o requisito da contemporaneidade não está preenchido. É o relatório. Decido. Entendo que as alegações do paciente são plausíveis e consistentes, a ponto de justificar a concessão da ordem de habeas corpus. Inicialmente, quanto à tese de afronta à competência originária do STJ, entendo que, à luz dos documentos acostados aos autos, ainda é prematura a alegação de que o Juízo de Cuiabá ignorou deliberadamente indícios de envolvimento de autoridade com de foro no STJ – o que, se identificado, importaria a nulidade das decisões de primeira instância. Afinal, o que os autos demonstram é que, depois da decisão que, em 23.7.2025, determinou a prisão do paciente, a Presidência do STJ informou ao juízo de primeiro grau sobre a sindicância que tramitava naquele Corte e avocou o inquérito policial. Não há, portanto, como afirmar, com base nos documentos juntados pela defesa, que o Juízo de Cuiabá sabia da existência de indícios de envolvimento de autoridade com foro no STJ – a bem da verdade, até este momento não há nem mesmo a indicação precisa de quais elementos seriam esses e de qual autoridade estaria envolvida. Trata-se de questão que exige maior aprofundamento, e que poderá ser invocada pela defesa em outro meio de impugnação, acompanhado dos documentos que permitam o debate sobre a competência. Por ora, basta para a revogação da prisão a constatação de que a representação formulada pela autoridade policial não preenche, a meu ver, o requisito da contemporaneidade. No presente caso, o pedido formulado pela autoridade policial indica supostos crimes de estelionato praticados contra o Tribunal de Justiça entre os anos de 2019 e 2023. Nesse período, os investigados teriam apresentado procurações e comprovantes de pagamentos falsos em dezessete execuções cíveis, para enganar juízes e desviar recursos da conta única de depósitos do TJMT. Ao discorrer sobre as datas em que os investigados teriam requerido nos autos das execuções a expedição do alvará de levantamento – ato que permitiu que os delitos se consumassem – a decisão judicial que decretou as medidas cautelares apresenta planilha elaborada pela polícia civil. Nela, estão indicados os dias exatos em que foram protocoladas cada uma dessas petições, que se estendem de 5.4.2019 a 3.3.2023 (eDOC 9, p. 17- 20). Não há menção a qualquer outro requerimento de expedição de alvará que tenha sido protocolado pelos investigados depois dessa data. Dessa forma, embora a decisão impugnada afirme genericamente que a investigação ainda está em curso e que podem ser identificados outros atos mais recentes, é fato que, até agora, os supostos delitos de estelionato, peculato e falsificação de documentos se consumaram até 3.3.2023 – e não além disso. Há, portanto, um hiato de mais de dois anos entre o último dos atos executórios praticados pelos investigados e a data de deflagração da operação, quando foi decretada a prisão do paciente. Isso demonstra o não preenchimento do requisito da contemporaneidade, que é necessário para a decretação de prisões processuais. Esse pressuposto, que já era exigido pela jurisprudência do STF, foi enfatizado pelas recentes alterações do CPP, trazidas pela Lei 13.964 (Pacote Anticrime): “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. § 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares 282, § 4. § 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”. Este é o entendimento da Segunda Turma sobre o tema: “HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA 691/STF. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO JUDICIAL EFETIVA. SITUAÇÃO DE FATO QUE PERMITE A SUPERAÇÃO DO VERBETE. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRETENDIDA REVOGAÇÃO DA PRISÃO OU SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. ART. 319 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONSTRIÇÃO FUNDADA NA CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO PENAL. INSUBSISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE DO DECRETO PRISIONAL NESSE ASPECTO. GRAVIDADE EM ABSTRATO DAS CONDUTAS INVOCADAS. INADMISSIBILIDADE. HIPÓTESE EM QUE AS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO MOSTRAM-SE SUFICIENTES PARA OBVIAR O PERICULUM LIBERTATIS RECONHECIDO NA ESPÉCIE. ORDEM CONCEDIDA PARA SUBSTITUIR A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE POR OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES. I – Em princípio, se o caso não é de flagrante constrangimento ilegal, segundo o enunciado da Súmula 691/STF, não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus contra decisão do relator da causa que, em HC requerido a Tribunal Superior, indefere liminar. Entretanto, em obediência ao princípio da proteção judicial efetiva, o caso evidencia hipótese apta a ensejar o afastamento excepcional do referido enunciado. II – No caso concreto, o fundamento da manutenção da custódia cautelar mostra-se frágil, porquanto, de acordo com o que se colhe dos autos, as 3 ameaças, em tese praticadas pelo paciente, teriam ocorrido entre os anos de 2015 e 2016, cumprindo-se salientar que a segregação em exame foi decretada em abril de 2018, havendo, portanto, um lapso temporal de cerca de 2 anos entre a data da suposta prática criminosa e o encarceramento do paciente, tudo a indicar a ausência de contemporaneidade entre os fatos a ele imputados e a data em que foi decretada a sua prisão preventiva. III – A medida já exauriu todos os seus efeitos no tocante ao requisito da conveniência da instrução criminal (art. 312 do Código de Processo Penal), tendo em vista que todas as testemunhas de acusação já foram ouvidas, não mais subsistindo risco de interferência na produção probatória, razão pela qual não se justifica, sob esse fundamento, a manutenção da custódia cautelar. IV – Assim, em verdade, o decreto prisional objeto destes autos está ancorado em presunções tiradas da gravidade abstrata dos crimes em tese praticados e não em elementos concretos dos autos. V – A utilização das medidas alternativas descritas no art. 319 do CPP é adequada e suficiente para resguardar a ordem pública e a aplicação da lei penal. VI – Habeas corpus concedido para substituir a prisão preventiva do paciente por medidas cautelares dela diversas (CPP, art. 319)”. (HC 156.600/SP, de minha relatoria, Redator do acórdão Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 19.9.2019). Portanto, neste caso os fatos investigados não são contemporâneos ao decreto de prisão, o que, por si só, justifica a revogação da ordem expedida pelo juízo de primeira instância, e depois ratificada pelo STJ. Além disso, rememoro que a jurisprudência do STF consolidou-se no sentido de que a liberdade de um indivíduo suspeito da prática de crime só pode sofrer restrições por decisão judicial fundamentada, amparada em fatos concretos, e não apenas em hipóteses ou conjecturas, bem como na gravidade do crime ou em razão de seu caráter hediondo. De modo geral, presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, a prisão preventiva deve indicar, de forma expressa, os seguintes fundamentos para sua decretação, nos termos do artigo 312 do CPP: I) garantia da ordem pública; II) garantia da ordem econômica; III) garantia da aplicação da lei penal; e IV) conveniência da instrução criminal. Não basta, portanto, a transcrição literal dos dispositivos legais nem a apresentação de uma narrativa. É necessário que a tese da acusação seja demonstrada a partir de fatos contemporâneos, documentados nos autos do inquérito. Nesse sentido, confira-se: “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. RISCO À APLICAÇÃO DA LEI PENAL. INEXISTÊNCIA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS. PRESUNÇÃO DE FUGA. IMPOSSIBILIDADE. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ENCERRAMENTO DE COLHEITA DA PROVA ACUSATÓRIA. ALTERAÇÃO DO QUADRO FÁTICO. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS COM A MESMA EFICIÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. 1. A prisão preventiva supõe prova da existência do crime (materialidade) e indício suficiente de autoria; todavia, por mais grave que seja o ilícito apurado e por mais robusta que seja a prova de autoria, esses pressupostos, por si sós, são insuficientes para justificar o encarceramento preventivo. A eles deverá vir agregado, necessariamente, pelo menos mais um dos seguintes fundamentos, indicativos da razão determinante da medida cautelar: (a) a garantia da ordem pública, (b) a garantia da ordem econômica, (c) a conveniência da instrução criminal ou (d) a segurança da aplicação da lei penal. 2. Ademais, essa medida cautelar somente se legitima em situações em que ela for o único meio eficiente para preservar os valores jurídicos que a lei penal visa a proteger, segundo o art. 312 do Código de Processo Penal. Ou seja, é indispensável ficar demonstrado que nenhuma das medidas alternativas indicadas no art. 319 da lei processual penal tem aptidão para, no caso concreto, atender eficazmente aos mesmos fins, nos termos do art. 282, § 6°, do Código de Processo Penal. 3. No caso, o decreto prisional não indicou atos concretos e específicos atribuídos ao paciente que demonstrem sua efetiva intenção de furtar-se à aplicação da lei penal. O fato de o agente ser dirigente de empresa que possua filial no exterior, por si só, não constitui motivo suficiente para a decretação da prisão preventiva. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da impossibilidade de decretação da prisão preventiva com base apenas em presunção de fuga. Precedentes. 4. No que se refere à garantia da instrução criminal, a prisão preventiva exauriu sua finalidade. Não mais subsistindo risco de interferência na produção probatória requerida pelo titular da ação penal, não se justifica, sob esse fundamento, a manutenção da custódia cautelar. Precedentes. 5. A jurisprudência desta Corte, em reiterados pronunciamentos, tem afirmado que, por mais graves e reprováveis que sejam as condutas supostamente perpetradas, isso não justifica, por si só, a decretação da prisão cautelar. De igual modo, o Supremo Tribunal Federal tem orientação segura de que, em princípio, não se pode legitimar a decretação da prisão preventiva unicamente com o argumento da credibilidade das instituições públicas, nem a repercussão nacional de certo episódio, nem o sentimento de indignação da sociedade (HC 101537, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe de 14-11-2011). 6. Não se nega que a sociedade tem justificadas e sobradas razões para se indignar com notícias de cometimento de crimes como os aqui indicados e de esperar uma adequada resposta do Estado, no sentido de identificar e punir os responsáveis. Todavia, a sociedade saberá também compreender que a credibilidade das instituições, especialmente do Poder Judiciário, somente se fortalecerá na exata medida em que for capaz de manter o regime de estrito cumprimento da lei, seja na apuração e no julgamento desses graves delitos, seja na preservação dos princípios constitucionais da presunção de inocência, do direito a ampla defesa e do devido processo legal, no âmbito dos quais se insere também o da vedação de prisões provisórias fora dos estritos casos autorizados pelo legislador. 7. O tempo decorrido desde o decreto de prisão e a significativa mudança do estado do processo e das circunstâncias de fato estão a indicar que a prisão preventiva, por mais justificada que tenha sido à época de sua decretação, atualmente pode (e, portanto, deve) ser substituída por medidas cautelares que podem igualmente resguardar a ordem pública, nos termos dos arts. 282 e 319 do Código de Processo Penal. 8. Ordem parcialmente concedida, para substituir a prisão preventiva do paciente por medidas cautelares específicas, estendida por força do art. 580 do Código de Processo Penal”. (HC 127.186/PR, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 3.8.2015, grifo nosso) Ainda: HC 84.662/BA, Rel. Min. Eros Grau, Primeira Turma, unânime, DJ 22.10.2004; HC 88.448/RJ, de minha relatoria, Segunda Turma, por empate na votação, DJ 9.3.2007; HC 101.244/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, unânime, DJe 8.4.2010. Com a entrada em vigor da Lei 12.403/2011, o Juiz passa a dispor de medidas cautelares alternativas à prisão. De acordo com o art. 282 do CPP, elas poderão ser aplicadas desde que demonstrada: (i) a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; e (ii) adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Dessa forma, o perigo que a liberdade do investigado representa à ordem pública ou à aplicação da lei penal pode em muitos casos – como no presente – ser mitigado por cautelares menos gravosas que a prisão. Nesse sentido, reporto-me ao entendimento da Segunda Turma: “Habeas corpus. 2. Organização criminosa, corrupção ativa e passiva. Operação Ratatouille. Prisão preventiva. 3. Impetração contra acórdão que não conheceu de agravo regimental interposto de decisão monocrática, a qual indeferiu pedido de liminar em anterior RHC no STJ. 4. Ocorrência de constrangimento ilegal ensejadora do afastamento da incidência da Súmula 691 do STF. 5. Perigo que a liberdade do paciente representa à ordem pública ou à aplicação da lei penal pode ser mitigado, no caso, por medidas cautelares menos gravosas do que a prisão. 6. Concessão da ordem para substituir a prisão preventiva decretada em desfavor do paciente por medidas cautelares diversas da prisão, na forma do art. 319 do CPP”. (HC 147.192/RJ, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 23.2.2018). Reporto-me ainda às lições de Eugênio Pacelli de Oliveira e Douglas Fischer: “A nova legislação, que, no ponto, se alinha ao modelo português e ao italiano, prevê diversas medidas cautelares diversas da prisão, reservando a esta última um papel, não só secundário, mas condicionado à indispensabilidade da medida, em dupla perspectiva, a saber, a) a proporcionalidade e adequação, a serem aferidas segundo a gravidade do crime, as circunstâncias do fato (meios e modos de execução), e, ainda as condições pessoais do agente; e b) a necessidade, a ser buscada em relação ao grau de risco à instrumentalidade (conveniência da investigação ou da instrução) do processo ou à garantia da ordem pública e/ou econômica, a partir de fatos e circunstâncias concretas que possam justificar a segregação provisória. (…) Impende esclarecer também o sentido com que pode e deve ser entendida a expressão proporcionalidade, agora incorporada expressamente na ordem processual penal. O postulado da proporcionalidade, como já vimos no início destes Comentários, se desdobra em duas perspectivas bem demarcadas. A primeira, atinente à proibição do excesso, e, a segunda, à efetividade dos direitos fundamentais. Ambas se apresentam como pauta de interpretação no paradigma do Estado de Direito, de modo a evitar perigosa e indevida absolutização dos direitos e garantias, bem como, de outro lado, dos deveres individuais e da intervenção estatal. Em tema de restrições à liberdade individual na persecução penal, o acento deve ser posto na primeira leitura, de proibição do excesso, sem incorrer, contudo, na fragilização demasiada da proteção de outros direitos fora do processo (e da investigação). Assim, e por essa razão, o Código inicia o tratamento das cautelares pessoais pelo alinhamento das medidas diversas da prisão, como a antecipar a função de ultima ratio reservada à prisão antes do trânsito em julgado”. (Eugênio Pacelli de Oliveira e Douglas Fischer, Comentários ao código de processo penal, 3.ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, grifo nosso). Verifica-se que, no caso concreto, o Juízo de primeiro grau decretou não apenas o sequestro de vários bens móveis e imóveis do paciente e de seus familiares, como também a indisponibilidade do patrimônio de todos eles, até o montante de 21 milhões de reais. Os bloqueios judiciais alcançaram todas as contas bancárias dessas pessoas, bem como quaisquer investimentos ou depósitos alcançados pelo sistema SISBAJUD. O juiz utilizou-se, ainda, do sistema RENAJUD para bloquear os veículos dos investigados e do CNIB, para rastrear e bloquear, em todo o território nacional, bens móveis e imóveis registrados em nome deles em Tabeliães de Notas e Oficiais de Registros de Imóveis. Assim, o Judiciário não apenas cercou-se das cautelas necessárias para evitar eventual lavagem de capitais, como assegurou os meios necessários para o ressarcimento do erário em caso de condenação. E não só. Ao determinar a prisão preventiva do servidor responsável pela expedição dos alvarás de pagamento (M.M.S.J), o juízo de primeiro grau adotou uma medida cautelar que, a meu ver, é suficiente para inibir a reiteração das supostas práticas delitivas. Afinal, como reconhece a própria autoridade policial, para a consumação dos crimes foi essencial a participação de funcionários do Departamento de Depósitos Judiciais do TJMT, que fechavam os olhos para inconsistências nos comprovantes de pagamento e determinavam que as instituições financeiras liberassem os recursos para os investigados. Sem a conivência desses funcionários, a tentativa de fraude decerto seria identificada e bloqueada. Por fim, destaco que os fatos narrados nestes autos são graves e demandam apuração rigorosa não apenas pelas autoridades policiais como também pelo Conselho Nacional de Justiça. É fundamental investir em sistemas eletrônicos e protocolos de segurança que impeçam fraudes dessa natureza. Eventos dessa natureza abalam a imagem do Judiciário e causam prejuízos a toda a sociedade. Portanto, é necessário um esforço das autoridades para que sejam identificados todos aqueles que direta ou indiretamente concorreram para as fraudes apontadas pela Polícia Civil. Quem com elas contribui de qualquer forma deve ser investigado e processado e, se houver provas de seu envolvimento, condenados na medida da sua culpabilidade. A gravidade da linha investigativa adotada pela autoridade policial, porém, não pode redundar na antecipação de pena – o que é vedado pelo princípio da presunção de inocência. Nem pode conduzir a atalhos, como a indevida flexibilização dos requisitos da prisão cautelar. Essa medida exige não apenas o preenchimento do requisito da contemporaneidade – não presente neste caso, ante a constatação de que o último pedido de levantamento de alvará ocorreu no início de 2023, há mais de dois anos, portanto. Exige ainda que a prisão cautelar seja a única medida capaz de inibir o perigo gerado pela liberdade do acusado, não sendo suficientes as medidas cautelares alternativas. No caso, além da indisponibilidade do patrimônio dos acusados – já decretada na investigação – e do afastamento do funcionário do TJMT que facilitava as fraudes – o que também já ocorreu, na medida em que o juiz também decretou a sua prisão preventiva –, podem ser utilizadas cautelares alternativas contra o paciente que, sendo menos contundentes que o cárcere, podem igualmente garantir a ordem pública. Ante o exposto, concedo a ordem para revogar o decreto de prisão e determinar a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, se por outro motivo não estiver preso. Fixo, porém, as seguintes medidas cautelares diversas da prisão: i. comparecimento mensal em Juízo, para informar e justificar suas atividades; ii. proibição de ausentar-se da comarca sem autorização do juiz; iii. proibição de manter contato com os demais investigados, por qualquer meio; iv. proibição de deixar o país, com entrega de seu(s) passaporte(s) em até 48 (quarenta e oito) horas; v. uso de tornozeleira eletrônica; As medidas cautelares serão fiscalizadas pelo Juízo competente para o inquérito, a quem caberá deliberar sobre eventuais pedidos formulados pela defesa, inclusive autorizações para viagem. Oficie-se ao Juízo de Garantias de Cuiabá/MT e ao Ministro Ricardo Cueva, relator no STJ, para cumprimento da ordem de soltura. Atribuo à presente decisão força de ofício e mandado. Intimem-se PGR e defesa. Brasília, 8 de agosto de 2025.





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